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JUSTIÇA TRIBUTÁRIA

Imposto de Renda da Pessoa Física: acertar é uma tarefa difícil

20 de fevereiro de 2017, 8h01

Por Raul Haidar

“…não existe nada que seja tão satisfatório ao espírito, que tanto defina nosso caráter, quanto darmos tudo de nós mesmos para levar adiante uma tarefa difícil.” — Barack Hussein Obama,  presidente dos Estados Unidos, discurso de posse, 20/1/2009.

Na próxima quinta-feira, 23, a Secretaria da Receita Federal do Brasil deverá divulgar as instruções necessárias ao preenchimento da DIRPF, a Declaração de Imposto de Renda das Pessoas Físicas.

Nessa ocasião serão informados os limites de abatimentos com despesas e dependentes, a tabela progressiva para cálculo do imposto devido, enfim tudo o que torna possível o cumprimento da obrigação anual a cargo das pessoas físicas.

Com o crescente, generalizado e cada vez mais simples uso da informática,  a declaração já não oferece dificuldades para a maioria dos contribuintes. Para as pessoas que não se sintam familiarizadas com isso, aconselha-se a consulta a um profissional de contabilidade.

Em algumas faculdades, sindicatos ou associações de classe pode-se encontrar essa ajuda gratuitamente, eis que o trabalho do profissional é voluntário e faz parte do treinamento dos formandos.

A primeira  consideração a ser levada em conta é a obrigação do contribuinte em não omitir  rendimentos, observar os limites dos abatimentos e, em hipótese alguma, lançar mão de documentos destinados a abatimentos que tenham sido obtidos de forma ilícita. Vejamos alguns casos.

Recibos “frios”
Já houve um caso rumoroso em que profissional da área da saúde, em cumplicidade com um escritório que se dizia de contabilidade, passou a “vender” recibos de tratamentos dispendiosos que jamais foram feitos, mediante o pagamento de um percentual do seu valor.

O sistema de processamento de dados constatou que o mesmo profissional de saúde poderia estar agindo de forma ilícita. Expediu intimações para os supostos “clientes”.

Alguns desses “clientes” nem sabiam onde se localizava o consultório onde fizeram “tratamento”, outros não souberam explicar porque o realizaram ou mesmo não se lembravam se os pagamentos foram feitos em cheque, dinheiro ou cartão. Enfim, é a velha história: “não existe crime perfeito; existe crime mal investigado.”

Os contribuintes que aguardavam restituições tiveram que pagar imposto e elevadas multas, mas o profissional de saúde e o seu cúmplice tiveram que enfrentar processo criminal e um deles deixou de ser primário e por pouco não passou a “ver o sol quadrado”.

Doações
O recebimento de doações em bens ou dinheiro pela pessoa física não representa nenhuma ilegalidade. Mas é imprescindível que haja prova documental que a ateste. No caso de imóvel, uma escritura. Note-se que incide o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações) devido ao estado, cuja alíquota neste Estado atinge a 4%.

O mais importante no caso é que o doador tenha condições de justificar a origem do que doou. Por exemplo: se uma pessoa faz a terceiro uma doação em cheque de expressivo valor sem ter motivo razoável, podendo alegar “generosidade” ou “amizade”. Mas não basta ao donatário que depositou o valor em sua conta recolher o imposto para eximir-se de dar explicações ao fisco. Se isso fosse aceitável, poderia o assaltante do banco depositar o produto do crime em sua conta e declarar o valor ao fisco, pagar o imposto e assim ficar isento de explicações quanto à origem?

Desatualização dos valores
Em nossa coluna de 25 de janeiro de 2016 fizemos alguns comentários ao apontar as injustiças de que ocorre com a não atualização dos valores constantes da legislação do Imposto de Renda desde 1996.  Isso prejudica especialmente os assalariados, que são os contribuintes com menor possibilidade de contornar tais perdas.

A respeito disso manifestou-se o Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal) e apontou que, prevista a aplicação de reajuste de pouco mais de 6% sobre a tabela do imposto em relação à de 2016, os contribuintes sujeitam-se a uma defasagem de mais de 80% no recolhimento. Ou seja, o prejuízo é maior para o contribuinte das faixas menores de incidência, que deveriam estar isentos.

Ganhos de capital
Na alienação de bens que integram o patrimônio do contribuinte (imóveis, por exemplo), é de Justiça que na apuração desses supostos “ganhos” o valor original de aquisição seja integralmente corrigido. Não é razoável que, para tais efeitos, prevaleça o entendimento de que a correção só exista até 1995.  Também não faz sentido “isenção” para valor de menos de 500 mil na alienação do único imóvel. Justiça se faz de forma integral. Não existe justiça “meia boca”,

Abatimentos
Todos os abatimentos sujeitos a limites estão fora da realidade.  Mesmo sem ter em mãos a tabela que deve ser divulgada dentro de três dias, sabe-se que a correção deve ser de pouco mais de 6%. Se assim for, cada dependente deverá sobreviver  com pouco mais de R$ 200,00 por mês! E as “despesas” com sua educação estariam limitadas a cerca de R$ 350,00 mensais! Não há dúvida: as autoridades fazendárias estão brincando. Talvez isso que está para sair seja mais uma fantasia de carnaval.

No caso das “despesas” de educação — que deveriam ser consideradas como investimentos (é assim nos países civilizados), simplesmente não poderia existir qualquer limite, bastando apenas adequada comprovação, como se permite em relação aos gastos com saúde. Afinal, saúde e educação são direitos sociais previstos da Constituição.

Quanto à educação, recomendo a leitura da notícia aqui publicada em 7 de janeiro (Limite para deduzir gasto com educação do IR é inconstitucional),  onde pode ser encontrada a liminar concedida pelo juiz federal da 21ª Vara de São Paulo. Ali também se noticia que desde 2013 está em andamento no STF a ADI 4.927, apresentada pelo Conselho Federal da OAB no mesmo sentido. Educação é tão essencial quanto a saúde e não pode ter limites! Vamos lutar para que outras entidades legitimadas constitucionalmente participem dessa luta.

A citação inicial da coluna de hoje, trecho de discurso de posse do ex-presidente dos Estados Unidos, é singela lembrança da necessidade que todos nós seres humanos temos de “darmos tudo de nós mesmos para levar adiante uma tarefa difícil” . Lutar pelo conceito de Justiça Tributária nestes tempos e neste país é mesmo tarefa difícil , mas “não existe nada que seja tão satisfatório ao espírito, que tanto defina nosso caráter…”.

Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2017, 8h01

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