Carta ao deputado Hildo Rocha e o meu dever de advogado

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            Era tarde do dia 14 de agosto. O telefone toca e o interlocutor era o deputado Hildo Rocha, do MDB do Maranhão, chocado e perplexo com o acontecimento do dia: A decisão do STF de afastar o procurador-geral do Estado do Maranhão porque ele fez um parecer.

            Digo do STF porque, para quem não sabe, em órgãos jurisdicionais coletivos, a decisão de um juiz é decisão do tribunal.

            Falou-me o deputado que a decisão do STF o incomodou muito e imediatamente me ligou.

            O que vou relatar aqui é o resumo de uma longa conversa que tivemos que revela a minha total indignação com o fato, a confirmar a perplexidade dele.

            Vejam bem o quadro. Um procurador, como advogado que é, fez um parecer, deu uma opinião jurídica, e o STF manda um governador de Estado afastar um servidor público porque o advogado, o procurador, deu um parecer.

            A simbologia do ato: isso acontece exatamente no mês do advogado, na semana em que se comemora o dia do advogado, que é 11 de agosto.

            Disse ao deputado que Ruy Barbosa, Evaristo de Moraes, Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, Paulo Brossard, Barbosa Lima Sobrinho e tantos outros grandes advogados já falecidos, estivessem vivos, estariam a protestar veementemente contra o “crime de hermenêutica”, que é exatamente criminalizar a opinião jurídica, a opinião do advogado, a criminalização do parecer jurídico.

            O meu amigo Saulo Ramos, de longas conversas com o amigo em comum Eduardo Lago, e também de outras com José Sarney, de quem foi também amigo e consultor-geral da República e Ministro do Justiça, deve estar saltitante no túmulo, a esbravejar.

            O busto de Ruy Barbosa que se encontra no STF, tivesse pernas, teria saído correndo de lá no último dia 14 de agosto.

            Cícero, o advogado romano, coitado, não está entendendo nada. Como se pode proibir o advogado de ter opinião jurídica?

            O que fez certamente Ruy Barbosa mexer no túmulo é que o STF faz isso e o que se vê é o silêncio total da OAB Nacional, das centenas de associações e institutos de advogados, da ANAPE, do Grupo Prerrogativas e tantos outros.

            Aliás, eu estava no grupo do Telegram do Prerrogativas. Acabo de sair.

            O que me surpreende, deputado Hildo Rocha, é que a decisão contra um advogado sai de um tribunal que, na atual composição, quase todos têm origem na advocacia. Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Carmem Lúcia, Dias Toffoli, André Mendonça, Cristiano Zanin e o relator do processo, Alexandre de Moraes.

            Mais surpreendente ainda é que Valdenio é afastado por meio de pedidos feitos por advogados. Não sei quem foram eles, não quero saber, pois, advogados, verdadeiramente não são, pois advogados não incriminam outro advogado por este ser responsável por uma opinião jurídica.

            Minha repulsa a esse, até o momento, silêncio obsequioso da OAB Nacional a um ato de vilipêndio da advocacia. Silêncio que, se se tornar perene, passará a ser conivente, o que é a total degradação da advocacia diante da ousada decisão do STF.

            Alvíssaras OAB/MA, pela Nota de Apoio a Valdenio.

            Para além de ousada, a decisão do STF que cassa e criminaliza o direito de um advogado de dar uma opinião jurídica é absolutamente injurídica, porque é inconstitucional, inconvencional, ilegal e abusiva. A injuridicidade é tal que contraria dezenas de decisões do próprio STF que protegem o parecerista contra esse tipo de abusividade, o que fere de morte a regra do CPC que impõe aos juízes coerência, integridade e estabilidade (art. 926 do CPC).

            Eu poderia parar por aqui, pois este ataque à advocacia já é gravíssimo, mas, como todos sabem, essas questões têm sido banalizadas.

            Mas não é só isso, eu e o deputado Hildo Rocha fomos aprofundar o escrutínio desse evento dantesco e encontramos coisas piores.

            A primeira é que contra o procurador-geral do Estado do Maranhão, Valdênio Caminha, o afastamento cautelar foi pedido ao STF em 21 de fevereiro de 2025 porque o procurador teria descumprido decisão do STF, que, na realidade, já tinha sido integralmente cumprida em 22 de janeiro de 2025.

            Passados 05 meses do pedido é que a decisão cautelar de afastamento foi deferida, exatamente, por desgraça do destino, na semana em que se comemora o dia do advogado.

            Não se cumpre mais as leis aprovadas pelo Congresso Nacional. O sentido de cautelaridade que consta das normas aprovadas pelo parlamento brasileiro foi absolutamente ignorado. As tais ideias de direito manifesto e risco a este direito, que seriam o descumprimento da decisão, deixaram de existir desde 22 de janeiro de 2025, antes mesmo do pedido cautelar de afastamento. Ou seja, o Congresso Nacional e as leis que aprova, não são nada.

            E vejam o absurdo: a determinação de afastamento do procurador, do advogado parecerista, ocorre 05 meses após o pedido. Ou seja, total inexistência de cautelaridade.

            Mas aí vem o pior do que evidenciamos. O afastamento ocorre na mesma semana em que o procurador afastado subscreve uma petição protocolizada no STF na qual aponta vícios processuais e a suspeição do ministro Flávio Dino em processos que cuidam de questões, desavenças e futricas políticas entre o governo que o nomeou procurador e o grupo político do ministro Flávio Dino, cujos membros se autodenominam “Dinistas”.

            Vejam o percurso desse afastamento que já estava programada desde fevereiro de 2025, pois um assessor do Ministro Flávio Dino já tinha avisado que isso iria acontecer.

            Quando foi pedido o afastamento, o procurador enviou uma carta ao ministro Flávio Dino informando que o assessor do ministro, Túlio Simões, que é procurador concursado do Estado, estava a fazer ingerências para que Valdênio Caminha não fosse defendido pela ANAPE:

            Imediatamente o procurador afastado foi avisado pelo procurador Daniel Blume de que o assessor do ministro Flávio Dino, Túlio Simões, teria dito que o afastamento era irreversível. Disse Túlio Simões, em tom de ironia e deboche, que “Soube que teu chefe colheu o que plantou”, “Bom que o pessoal daqui já conhece os métodos dele”. Daniel Blume, estupefato, indaga a Túlio Simões: “Fala meu amigo! O que ocorreu?”. Em resposta Túlio Simões envia um arquivo em PDF com uma petição, ainda não protocolizada, que pede o afastamento do procurador-geral, com o aviso irônico de que “Se não for preso ta no lucro”. Ou seja, o assessor do ministro Flávio Dino já tinha a certeza do afastamento:

            Mas eis que o procurador-geral é comunicado das mensagens e petição enviadas a Daniel Blume pelo assessor de Flávio Dino (Túlio Simões). É feita uma ata notarial desses eventos e se descobre que os assessores do ministro Flávio Dino estavam a bisbilhotar os computadores da PGE/MA para passar informações ao partido que estava a pedir o afastamento do procurador-geral.

            Imediatamente o procurador-geral comunicou esses fatos ao Ministro Relator, ao Presidente do STF e ao Procurador Geral da República.

            Daí porque talvez o afastamento que já estava certo para fevereiro de 2025 tenha ocorrido somente agora em agosto de 2025.

            Tudo isso é muito grave, violento, agressivo contra a democracia, sobretudo em relação a um dos seus principais esteios: a advocacia.

            E piora porque Valdenio foi sancionado gravemente num processo que ele não é parte e nunca foi intimado ou citado para se defender. Passados 100 anos da publicação de “O Processo”, Kafka está mais presente e atual do que nunca.

            Valdenio, tenha a minha total e absoluta solidariedade. Continue firme. Como já tinha dito em outro texto, “Sei que não é fácil ser advogado no Brasil. Lenio Streck diz que advogado no Brasil é “stoik mujic”. Pois apanhemos e nos levantemos para reclamar, para repudiar. É por isso que vencemos a ditadura e tantas outras lutas passadas e do cotidiano no nosso fazer/ser advogados. Apanha e se levanta, apanha e se levanta …. Estou aqui a fazer a minha parte, apanhando e me levantando.”.

            Professor Lenio Streck dê um alô.

            Valdenio, “ainda estamos aqui”. Já passei por coisa pior, pois fui acusado de crime e improbidade por ter feito e assinado um parecer num processo judicial em acordo homologado pelo Poder Judiciário. As marcas que hoje tens das chibatas que recebeste, em mim estão marcadas para sempre “como tatuagens bordadas a chicote”.

            Valdenio, mantenha-se firme, como fez Luís Gama, que jamais se curvou diante dos capitães do mato.

            “Ainda estamos aqui”, com o “Dever do Advogado”, com a Constituição da República a dizer que a advocacia é essencial (indispensável) e inviolável (art. 133), e o Estatuto e Código de Ética da OAB a dizer que não há hierarquia nem subordinação entre advogados e magistrados; que o respeito à dignidade da advocacia é dever de todas as autoridades; que é dever do advogado manter independência em qualquer circunstância, e jamais ter receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade; e sempre atuar com destemor e independência.

            Peço ao deputado, em meu nome, e espero que de todos os deputados e senadores do parlamento brasileiro, especialmente aqueles que são advogados, que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, por suas procuradorias, habilitem-se nos autos desse processo para fins de defender, veementemente, a advocacia.

            Peço, também, que seja oficiado à OAB Nacional e à ANAPE, para que façam o mesmo. E se a Câmara não o fizer, desde já peço que o faça em meu nome e do próprio deputado.

            Peço que o objeto dessa irresignação seja imediatamente enviado para a CCJ, para que o procurador de Estado Valdênio Caminha e o Procurador Daniel Brume sejam convocados para relatar todos esses acontecimentos, até para que o parlamento estude novas normas de proteção da advocacia, pois, ao que parece, as que existem estão sendo insuficientes, porquanto, para mim e certamente para Vossa Excelência, é inadmissível que um advogado seja vítima de lawfare, de guerra jurídica, e perseguição porque não é subserviente a um juiz.

            É preciso que o Congresso Nacional, também imediatamente, ofereça segurança ao procurador Valdênio Caminha e sua família, pois se na luz do dia se comete uma violência contra o intocável exercício da advocacia, sinceramente, não sei mais o que lhe poderia acontecer.

            As provas desse relato estão anexas a esta carta, para Vossa Excelência apresentar à Mesa para que sejam encaminhadas à OAB Nacional, à ANAPE, ao Senado Federal, à procuradoria da Câmara e à CCJ.

            Com essas provas, que seja juntado um texto (https://pormim.com.br/2025/04/a-suspeicao-impedimento-do-ministro-a-sindrome-de-estocolmo-os-crimes-de-dentro-do-stf-e-a-interferencia-do-stf-no-maranhao-parte-1/ ) que Vossa Excelência pediu para que fosse registrado nos anais da Câmara.

            E se nada for feito pelo Congresso Nacional, peço a Vossa Excelência que a sua assessoria prepare denúncias e comunicados a organismos internacionais acerca dessa violência inominável contra a advocacia, sobretudo à democracia, pois esta sem aquela não existe.

            Sobre os “recados” que Vossa Excelência recebeu semana passada para que não se pronunciasse sobre os malfeitos e ingerências indevidas que estão sendo praticados contra os poderes constituídos do Estado Maranhão, digo que não abdique, por nada, em hipótese nenhuma, do seu direito constitucional da livre palavra, outorgado pelo voto, de reivindicar direitos e denunciar arbítrios e abusos. Diga aos recadistas que não contém com sua conivência e esqueçam o seu silêncio.

            Indignem-se Senadores e Deputados advogados, esta carta também é para vocês: Alessandro Vieira MDB SE, Jader Barbalho MDB PA, Renan Calheiros MDB AL, Veneziano Vital do Rêgo MDB PB, Eduardo Girão Novo CE, Carlos Portinho PL RJ, Flávio Bolsonaro PL RJ, Soraya Thronicke Podemos MS, Ciro Nogueira PP PI, Esperidião Amin PP SC, Rodrigo Pacheco PSD MG, Fabiano Contarato PT ES, Randolfe Rodrigues PT AP, Damares Alves Republicanos DF, Efraim Filho União PB, Sergio Moro União PR, Afonso Motta PDT RS,  Alencar Santana PT SP, Alex Manente Cidadania SP,  Alexandre Guimarães MDB TO, Alexandre Lindenmeyer PT RS, Alfredo Gaspar União AL, Aline Gurgel Republicanos AP, André Figueiredo PDT CE, Antonio Carlos Rodrigues PL SP, Any Ortiz Cidadania RS, Arthur Oliveira Maia União BA, Átila Lins PSD AM, Átila Lira PP PI, Bia Kicis PL DF, Cabo Gilberto Silva PL PB, Caroline de Toni PL SC, Célio Studart PSD CE, Chris Tonietto PL RJ, Claudio Cajado PP BA, Cleber Verde MDB MA, Cobalchini MDB SC, Coronel Armando PP SC, Dagoberto Nogueira PSDB MS, Daniela Reinehr PL SC,  Danilo Forte União CE, David Soares União SP, Delegada Adriana Accorsi PT GO, Dilceu Sperafico PP PR, Domingos Neto PSD CE, Dr. Victor Linhalis PODE ES, Duarte Jr. PSB MA, Eduardo Bolsonaro PL SP, Elmar Nascimento União BA, Fausto Pinato PP SP, Felipe Francischini União PR, Filipe Barros PL PR, Florentino Neto PT PI, Fred Costa PRD MG, Gabriel Nunes PSD BA, Gervásio Maia PSB PB, Gilberto Nascimento PSD SP, Gilson Marques NOVO SC, Glauber Braga Psol RJ, Hugo Leal PSD RJ, Ivoneide Caetano PT BA, Jefferson Campos PL SP, José Airton Félix Cirilo PT CE, José Guimarães PT CE, José Nelto União GO, José Priante MDB PA, Julia Zanatta PL SC, Julio Arcoverde PP PI, Júlio Cesar PSD PI, Julio Cesar Ribeiro Republicanos DF, Júnior Ferrari PSD PA, Lafayette de Andrada Republicanos MG, Laura Carneiro PSD RJ, Leonardo Monteiro PT MG, Luisa Canziani PSD PR, Luiz Fernando Vampiro MDB, Marangoni União SP, Marcelo Queiroz PP RJ,  Márcio Biolchi MDB RS,  Marcos Aurélio Sampaio PSD PI,  Marcos Pereira Republicanos SP, Marcos Pollon PL MS, Marcos Soares União RJ, Marcos Tavares PDT RJ, Maria Arraes SOLIDARIEDADE PE,  Marx Beltrão PP AL, Max Lemos PDT RJ, Miguel Ângelo PT MG, Murilo Galdino Republicanos PB, Natália Bonavides PT RN,  Odair Cunha PT MG,  Orlando Silva PCdoB SP, Patrus Ananias PT MG, Paulo Abi-Ackel PSDB MG

Paulo Alexandre Barbosa PSDB SP, Paulo Litro PSD, Pedro Aihara PRD MG, Pompeo de Mattos PDT RS, Rafael Simoes União MG, Raimundo Santos PSD PA, Renata Abreu PODE SP, Ricardo Ayres Republicanos TO, Ricardo Salles NOVO SP, Roberto Duarte Republicanos AC, Robinson Faria PP RN, Rodrigo de Castro União MG, Rogéria Santos Republicanos BA, Rosangela Moro União SP, Rubens Pereira Júnior PT MA, Rui Falcão PT SP, Samuel Viana Republicanos MG, Sergio Souza MDB PR, Soraya Santos PL RJ, Thiago de Joaldo PP SE, Tião Medeiros PP PR, Vicentinho PT, Vinicius Carvalho Republicanos SP, Waldemar Oliveira Avante PE, Wilson Santiago Republicanos PB, Yandra Moura União SE e Zé Neto PT BA.

            Desde já peço desculpas se esqueci o nome de algum senador, senadora, deputado ou deputada. Se sim, sintam-se incluídos na lista acima.

                        A violência contra a advocacia não pode mais ser apagada. O açoite estará, para sempre, marcado, em relevo. O direito do procurador de voltar ao cargo, caso queiram ele e o governador, é medida que se impõe.            

Viva a democracia. Viva a advocacia. Democracia sem advocacia é simplesmente uma mentira.

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