Para começo de conversa, vou logo dizer sobre o que vou tratar no texto. Com isso, quem não quiser lê-lo até o final, já fica a saber dos temas. Em resumo, vou analisar-criticar a denúncia do Divino (o procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira); comprovar que o Santa Cruz (o Presidente da OAB Nacional, o Felipe Santa Cruz) não cometeu crime nenhum e, em conjunto, fazer a defesa da advocacia (inviolabilidade); demonstrar da incompetência da Justiça Federal para julgar o caso; dizer da ilegitimidade do ministério público para advogar causas criminais de servidores públicos; da proscrição dos crimes contra a honra no Brasil; e, por fim, o que mais me apetece a escrever este texto, tratar da liberdade de manifestação do pensamento.
Faz tempo que queria escrever um post para o blog sobre estes temas, sobretudo a liberdade de manifestação do pensamento, porquanto me sentia devedor de tratar dele aqui no blog, como tantas vezes anunciado, mas até agora era apenas uma promessa incumprida. O caso Divino x Santa Cruz, por ser recente, é uma justificativa mais que oportuna para ser agora o momento adequado para a escrita desejada e prometida.
O texto trata das condutas dos atores do caso (Moro, Divino e Santa Cruz), até para não ocorrer de imputar os atos deles às instituições (União-Ministério da Justiça-Polícia Federal, Ministério Público Federal-Procuradoria da República e OAB Nacional).
Boa parte do texto não é inédito, pois contém trechos “reciclados” de textos de defesas que já produzi em casos semelhantes. Parafraseando Lavoisier, em parte do presente texto nada se perde, tudo se adapta.
Para facilitar a escrita, leitura e compreensão, vou dividir o texto por tópico. A primeira parte é dividida em tópicos que cuidam de como o direito vem sendo aplicado no Brasil e, na segunda, de como deve-deveria ser, segundo o que penso. Segue.
PRIMEIRA PARTE – O QUE É
Análise-crítica da denúncia de Divino
A denúncia de Divino tem como justificativa apenas a fala isolada de Santa Cruz, como se não existisse nada anterior, quando na realidade Santa Cruz estava a reagir a uma declaração de Moro, no caso, este anunciou que teve acesso a inquérito policial que não poderia ter tido, ao mesmo tempo em que avisou que iria destruir provas colhidas no inquérito.
Quem informou isso, em nota oficial, foi o Presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha. Veja-se a nota:
“NOTA DA PRESIDÊNCIA
25/07/2019 17:57
Nota da Presidência
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, confirma que recebeu a ligação do ministro da Justiça, Sergio Moro, informando que o seu nome aparece na lista das autoridades hackeadas. O ministro do STJ disse que está tranquilo porque não tem nada a esconder e que pouco utilizava o Telegram.
O ministro Moro informou durante a ligação que o material obtido vai ser descartado para não devassar a intimidade de ninguém. As investigações sobre o caso são de responsabilidade da Polícia Federal, a quem cabe responder sobre o caso.”
(http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/NOTA-DA-PRESIDENCIA25072019.aspx)
Não deveria Divino investigar primeiro a conduta de Moro para constatar se ele realmente fez a declaração ao ministro Noronha, que ele teve acesso ao inquérito etc.? É o que deveria, mas, ao denunciar Santa Cruz, Divino, na realidade, encobriu – sabe-se lá porque – a fala, o ato e o desejo de Moro de destruir provas, a restar incólume e protegido o Moro.
Na denúncia Divino faz uma mistura de falas anteriores de Santa Cruz e outras misturas de preceitos do Estatuto da OAB e do CPC para pedir o afastamento de Santa Cruz da presidência da OAB. Eis o intento principal, silenciar, intimidar, impedir que da boca de Santa Cruz saíssem críticas, como se nenhum outro advogado não pudesse fazer isso sem precisar ser presidente da OAB, ou até mesmo outro que o substituísse não pudesse continuar a fazê-lo. Enfim, como se nenhum cidadão pudesse fazê-lo, como se a presidência da OAB fosse uma capa protetora a imunizar a crítica a Moro. Quanta ingenuidade e falta de conhecimento.
Ocorre que, ao contrário do que alegado por Divino, Santa Cruz, assim como qualquer outro advogado, não só pode, como DEVE, segundo o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) e o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (Resolução OAB 02/2015), “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, (…)” (inciso I do art. 44 do Estatuto), “(…) manter independência em qualquer circunstância.” (§ 1º. do art. 31 do Estatuto), agir de forma que “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.” (§ 1º. do art. 31 do Estatuto), “preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia;” (inciso I do parágrafo único do art. 2º. do Código de Ética), “atuar com destemor, independência, (…) veracidade, lealdade, (…)” (inciso II do parágrafo único do art. 2º. do Código de Ética), “contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;” (inciso V do parágrafo único do art. 2º. do Código de Ética), “pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos direitos individuais, coletivos e difusos;” (inciso IX do parágrafo único do art. 2º. do Código de Ética), “zelar pelos valores institucionais da OAB e da advocacia;” (inciso XII do parágrafo único do art. 2º. do Código de Ética), e que “O advogado, (…) deve zelar pela sua liberdade e independência.” (art. 4º. do Código de Ética), pois “O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.” (art. 4º. do Código de Ética).
Como se observa, Santa Cruz, se não fez, deveria ter feito mais do que fez, no caso, deveria, para “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, (…)” (inciso I do art. 44 do Estatuto), ter representado para a PGR para que Moro fosse investigado pela declaração, ao presidente do STJ, de que teve acesso ao inquérito que não podia e que iria destruir provas do mesmo inquérito.
A denúncia de Divino, portanto, não encontra amparo em absolutamente nada.
Inexistência de crime na conduta de Santa Cruz e inviolabilidade do advogado
A denúncia diz que Santa Cruz acusou Moro de cometer o crime do art. 288 do Código Penal porque teria afirmado que a conduta de Moro se assemelha a de um “chefe de quadrilha”.
Inacreditável a acusação, pois o crime do art. 288, atualmente, cuida de associação criminosa e o crime de quadrilha deixou de existir desde 2013. Ou seja, Divino acusou Santa Cruz de ter cometido o crime de calúnia porque acusou Moro de ter cometido um crime que não existe mais.
Com efeito, atinente à acusação (quadrilha), o tipo penal deixou de existir desde 2013 e o ato de Santa Cruz é de 2019, a incidir os incisos II e XXXIX do art. 5º. da Constituição da República combinados com o art. 9º. da CADH e art. 1º. do CP.
Adiante, na denúncia, Divino diz que Santa Cruz disse que Moro era “o chefe de uma organização criminosa”, que é outro crime, tipificado em outra lei (Lei nº. 12.850/2013). Dizer que Santa Cruz falou em organização criminosa quando ela disse quadrilha é que seria crime (denunciação caluniosa), porventura houvesse lei para o Divino.
Como não ocorreu o crime de calúnia, restaria a Divino, na sua empreitada acusatório contra Santa Cruz e a favor de Moro, dizer que Santa Cruz cometeu o crime de injúria ou difamação. Todavia, encontraria óbices constitucional e legal, a saber: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei’” (art. 133 da Constituição da República) e “O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.” (§ 2º. do Art. 7 º. do Estatuto).
Será que foi por isso, esses óbices constitucional e legal, que Divino desenterrou a tipificação de quadrilha para tentar emudecer o Santa Cruz com a acusação de que quadrilha ainda é tipificado no Código Penal como crime?
Doutro lado, e deixando de lado os afazeres de Divino, não se pode ignorar que Santa manifestou opinião jurídica acerca de um fato gravíssimo veiculado em todos os meios de comunicação e declarado, formalmente, por um presidente de um Tribunal Superior.
Santa Cruz, portanto, foi acusado pelo que se chama de “crime de hermenêutica”. A situação de Santa Cruz faz lembrar o sempre atual Rui Barbosa que, quando defendeu um juiz por cometer este “crime”, protestou: “Esta hipérbole do absurdo não tem linhagem conhecida: nasceu entre nós por geração espontânea. E, se passar, fará da toga a mais humilde das profissões servis, estabelecendo para o aplicador judicial das leis, uma subalternidade constantemente ameaçada pelos oráculos da ortodoxia cortesã. Se o julgador, cuja opinião não condiga com a dos seus julgadores na análise do direito escrito, incorrer, por essa dissidência, em sanção criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a garantia da justiça contra os erros individuais dos juízes, pelo sistema de recursos, ter-se-á convertido, a benefício dos interesses poderosos, em mecanismo de pressão, para substituir a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror, que dissolve o homem em escravo.”.
Aliás, o caso se confunde com o “crime de opinião”.
Contra as pretensões tirânicas, autoritárias, etc. da dupla de acusadores, poder-se-ia simples evocar em favor de Santa Cruz a inviolabilidade constitucional e legal do advogado, a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de consciência, a liberdade de convicção, a liberdade de expressão intelectual e científica etc. (todos previstos no art. 5. da Constituição), ou simplesmente utilizar como escudo a Constituição da República, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Declaração de Chapultepec etc.
Pelo que se pratica no direito no Brasil, crime, portanto, Santa Cruz não cometeu.
SEGUNDA PARTE – O QUE DEVE-DEVERIA SER
Incompetência de Justiça Federal
Do art. 109 e incisos da Constituição da República não se identifica nenhum dispositivo que preceitue que é competência da Justiça Federal processar e julgar as causas criminais de interesse de servidores públicos federais.
Mesmo nas ações cíveis (mandado de segurança, ação de cobrança, previdenciárias, concurso público etc. de interesse do servidor público federal) sempre haverá necessidade de a União, entidade autárquica ou empresa pública federal ser interessadas na condição de rés, assistentes ou oponentes para atrair a competência da Justiça Federal.
Da Constituição da República não se identifica nenhum preceito que diga que as contendas cíveis e criminais dos servidores púbicos federais com terceiros são de interesse da União, como se tais servidores merecessem ser tutelados pela União.
Para o caso concreto de Divino x Santa Cruz, também não está na Constituição da República que os atos ofensivos contra a honra de servidores públicos federais são da competência da Justiça Federal processar e julgar, já na seara cível, já na criminal.
Não se desconhece que existe um manancial de decisões que dizem que a competência da Justiça Federal é definida quando envolve “relação com o exercício das funções do servidor” (motivação “propter officium”), mas também não se encontra na Constituição da República nenhuma alusão a essa especial condição que atrai a competência da Justiça Federal.
Evidente, portanto, que a matéria tratada no caso é da competência da Justiça Estadual.
É verdade que não conheço qualquer preceito constitucional, legal ou “institucional” anterior à Constituição de 1988 que porventura determinasse que competia à Justiça Federal julgar esses casos. E desconheço por dois motivos: i) entrei no curso de direito em 1992 (posterior à Constituição de 1988) e me formei em 1998 e, por ter como paradigma a Constituição da República, ii) a certeza da não recepção por esta de eventual texto constitucional ou legal (anterior à Constituição de 1988) que estabelece esta competência.
Subsiste, entretanto, o “argumento” da vastíssima e até sufocante jurisprudência (mesmo após a Constituição de 1988) que continua a assim dizer, ou seja, que a matéria tratada é da competência da Justiça Federal. Para contra-argumentar basta que se diga, com Lenio Streck, que tudo isso resulta da “baixa constitucionalidade”, da reprodução acrítica e “ad nauseam” de decisões anteriores à Constituição da República, enfim, a reprodução do “sentido comum teórico dos juristas” (Warat).
Ademais, a partir da e na Constituição da República, não se identifica preceito que reserve tratamento privilegiado a uma determinada categoria de cidadão (servidor público federal) no sentido de resolução de suas demandas numa determinada justiça especializada. Pelo contrário, o princípio da igualdade rechaça qualquer tratamento diferenciado entre cidadãos quando estes buscam a justiça para solução de demandas tal qual a do caso.
A prevalecer a tese da competência da Justiça Federal, a única hipótese possível de encontrar alguma juridicidade nela é que a honra dos servidores federais também são interesses patrimoniais ou imateriais da União. Assim sendo, a União teria até legitimidade para ajuizar ação por danos materiais e morais em favor do servidor. Evidentemente que esta hipótese também não encontra respaldo na Constituição da República.
Dessa forma, porventura existente algum texto legislativo que determine que a Justiça Federal é competente para julgar demandas relativas à honra do servidor público federal, com certeza, ele não foi recepcionado, é incompatível e foi revogado pela Constituição da República.
Ademais, é constitucionalmente incompreensível que a União tenha algum prejuízo ou interesse acerca de bem personalíssimo (a honra) de servidores públicos.
Ilegitimidade do ministério público
É de todos sabido que antes da Constituição de 1988 o Ministério Público Federal tinha como uma de suas atribuições ser “advogado” da União.
Ocorre que, a partir da ruptura que representou a Constituição da República, o Ministério Público perdeu essa vinculação com o Poder Executivo, dele se afastando da condição de “advogado” (art. 127, caput, §§ 1º. e 2º., da CF).
Dentre as funções do Ministério Público, estabelecidas no art. 129 da Constituição da República, não consta a de patrocinar interesses da União e, muito menos, “advogar” causas criminais relativas à honra de servidores públicos. Há, na realidade, verdadeira vedação expressa (art. 129, IX, da CF).
A União e estados membros, também a partir da Constituição de 1988, passaram a contar com advocacia própria, no caso, a AGU e as procuradorias de estado (arts. 131 e 132 da CF). No âmbito da União existe lei que autoriza a AGU a patrocinar interesses de servidores, em casos específicos, mas nunca o ministério público na condição de advogado.
O STF, em dezenas de decisões, tem decidido que o ministério público não tem legitimidade para promover a cobrança, v. g, de interesses patrimoniais dos entes públicos, como é o caso das sanções impostas em decisão dos tribunais de contas. O entendimento no egrégio STF assegura que “(…) em caso de multa imposta por tribunal de contas estadual a responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos, a ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação do tc. (…)” (RE 510034 AgR/AC – ACRE).
Do acórdão do RE 510034 ressai o ensinamento de que “Tal e qual demonstrado na decisão que se pretende reformar, o acórdão recorrido está em consonância com o entendimento fixado pelo Pleno do Supremo no sentido de que em caso de multa imposta pelo Tribunal de Contas Estadual a responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos de bens públicos, ‘[a] ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente’ (…)”.
Disse ainda: “A própria natureza das atribuições reservadas ao Parquet pela Constituição Federal, de guardião da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e não mais de órgão representativo ligado ao Poder Executivo, impede que atue em substituição à Fazenda Pública. Tanto que aos seus membros é expressamente vedado o exercício da advocacia (CF, artigo 128, II, a), bem como a representação judicial e consultoria jurídica das entidades públicas, (…)”.
Se assim é porque manda a Constituição da República, ou seja, o Ministério Público, pelo IX do art. 129, somente pode “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”, a não poder, por maior razão, representar judicialmente interesse personalíssimo de servidores de entes públicos.
Diz-se, outrossim, que a Constituição da República somente trata de substituto processual na ação penal para facultar a atuação do cidadão em substituição ao ministério público quando a ação penal não for ajuizada (art. 5º., LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal).
É, portanto, incompatível com a finalidade atual do Ministério Público representar judicialmente interesse criminal ou cível de servidor público.
Não se desconhece a súmula 721 do STF e a abundante jurisprudência dos tribunais acerca do tema, mas tais “precedentes” têm como pressupostos dispositivos legais (parágrafo único do art. 145 do CP e o art. 24 do CPP) anteriores à Constituição da República, que, repita-se, deu nova feição ao Ministério Público. Com efeito, o Ministério Público deixou de atuar como “advogado” do Estado e de terceiros a este vinculados para assumir a feição do art. 129.
Conclusão incontornável é que tais dispositivos (parágrafo único do art. 145 do CP e o art. 24 do CPP) não resistem, não se sustentam, a uma simples “filtragem hermenêutica constitucional”.
Fácil constatar, portanto, que tais preceitos não foram recepcionados pela Constituição da República.
Subsiste, entretanto, o “argumento” da vastíssima e até sufocante jurisprudência (mesmo após a Constituição de 1988) que continua a assim dizer (para todos a súmula 721 do STF), ou seja, que o Ministério Público tem legitimidade para patrocinar ação penal por crimes contra a honra de servidor público. Rediga-se, para contra-argumentar basta que se diga, com Lenio Streck, que tudo isso resulta da “baixa constitucionalidade”, da reprodução acrítica e “ad nauseam” de decisões anteriores à Constituição da República, enfim, o “sentido comum teórico dos juristas” (Warat).
Ademais, a partir da e na Constituição da República, não se identifica preceito que reserve tratamento privilegiado a uma determinada categoria de cidadão (servidor público federal) no sentido de dispor de “advocacia” tão especial como é ser representado pelo órgão acusador do Estado na defesa de direito pessoal vinculado à honra. Pelo contrário, o princípio da igualdade rechaça qualquer tratamento diferenciado entre cidadãos quando estes buscam o Poder Judiciário para solução de demandas tal qual a dos autos.
A prevalecer a tese da legitimidade do Ministério Público, a única hipótese possível de encontrar alguma juridicidade nela é que a honra dos servidores federais deve ser representada judicialmente pelo Ministério Público, o que implica concluir que este também tem legitimidade para ajuizar ação por danos materiais e morais em favor do servidor. Evidentemente que esta hipótese não encontra respaldo na Constituição da República.
Dessa forma, os textos legislativos mencionados, com certeza, não foram recepcionados, são incompatíveis e foram revogados pela Constituição da República.
Ademais, é constitucionalmente incompreensível que o Ministério Público tenha algum interesse acerca de bem personalíssimo (a honra) de servidores públicos.
O caso, portanto, é de patente não recepção do parágrafo único do art. 145 do CP e do art. 24 do CPP, e, portanto, ilegitimidade do Ministério Público, no caso, de Divino “advogar” a causa de Moro contra Santa Cruz.
Será que passados 30 anos da Constituição da República já não é a hora de uma ADPF da OAB para afastar de vez esses dispositivos absolutamente inconstitucionais?
Proscrição dos crimes contra a honra no Brasil
No Código Penal de 40 e na Lei de Imprensa de 67 existia a tipificação dos crimes contra honra e de opinião.
A Constituição de 1988 aboliu tais crimes.
De forma mais clara, diz-se que aboliu os crimes contra a honra tipificados no Código Penal de 40 e na Lei de Imprensa de 67.
Dos tipificados na Lei de Imprensa o STF já deu cabo (ADPF 130). Os do CP continuam insepultos, a vagar pelos tribunais como zumbis.
Com efeito, a Constituição da República, ao tratar da matéria (honra, imagem, intimidade, vida privada) apenas cuidou de direito de resposta e sanção de natureza civil (indenização por dano material ou moral). É o que preceituam os incisos V e X do art. 5º..
E para ficar apenas no mencionado art. 5º., veja-se a total abertura para a livre manifestação do pensamento, convicção política, comunicação e informação, vedado a censura e resguardado ao sigilo da fonte (incisos IV, VIII, IX e XIV).
Há na Constituição da República duas manifestações candentes (liberdade de expressão etc. e direito de resposta e reparação civil) e um silêncio eloquentes (criminalização da opinião).
Resta, evidente, portanto, que a Constituição da República fez a escolha por não criminalizar o verbo, a palavra dita, tornando-a, definitivamente livre, ressalvando apenas a sanção de natureza civil e o direito de resposta.
Lenio Streck, ao tratar da necessidade de que se faça no Brasil uma “filtragem hermenêutico-constitucional”, indaga: “(…) O que sobraria do Código Penal de 40 se não continuássemos a ser positivistas exegéticos? (…)”[1]. Ouso responder que os crimes previstos nos arts. 138, 139 e 140 no CP não restariam mais insepultos.
E por que o Poder Judiciário ainda não disse que tais dispositivos não foram recepcionados pela Constituição de 1988? Já se tratou desse tema em dois tópicos anteriores, a saber: “baixa constitucionalidade”, da reprodução acrítica e “ad nauseam” de decisões anteriores à Constituição da República, enfim, o “sentido comum teórico dos juristas” (Warat).
Aqui, já que as decisões dos tribunais têm mantido estes dispositivos apesar da Constituição da República, acrescenta-se ao que já foi dito, com Lenio Streck, que “(…) A crítica que aqui se faz decorre do (ab) uso metafísico daí resultante. Não se pode esquecer que Direito é história, é tempo, é faticidade, e que, portanto, cada caso tem a sua singularidade. Tentar aprisionar fatos em verbetes é sequestrar o tempo do Direito. (…)”.
Adiante, afirma: “(…) em muitos casos, interpretam-se as leis e os códigos com base em julgados anteriores à Constituição, o que faz com que determinados dispositivos, mesmo que sob um novo fundamento de validade, sejam interpretados de acordo com a ordem jurídica anterior; a doutrina especializada em comentários de legislação não tem efetuado uma filtragem hermenêutico-constitucional dos Códigos e leis, com o que casos nítidos de aplicação da Constituição acabam soçobrando em face de legislação produzida há mais de cinquenta anos, (…)”[2].
Impossível não dizer que o “novo fundamento de validade”, a Constituição da República, proscreveu os crimes tipificados no arts. 138, 139 e 140 no CP, sobretudo por meio dos incisos IV, VIII, IX e XIV do art. 5º., assim como no caput do art. 220 e nos §§ 1º., 2º. e 6º. do mesmo dispositivo constitucional.
Do ponto de vista da coerência e integridade da decisão jurídica constitucional, é incompreensível com o STF tenha declarado não recepcionados os crimes contra a honra da Lei de Imprensa e ainda não o tenha feito com os crimes contra a honra tipificados no CP, ressalta-se, ambos com a mesma tipicidade e redação.
Pelas razões constitucionais apresentadas na ADPF 130 parece claro que os crimes contra a honra não existem, isso se se for dizer que tem validade o inciso XXXIX do art. 5º. da Constituição da República (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal), pois os crimes contra a honra da Lei de Imprensa têm a mesma tipicidade dos do CP. Não há, efetivamente, nenhum traço que os diferencie.
A outra hipótese a ser aventada, sob pena de incoerência do sistema jurídico, é que o STF atuou como legislador, pois até a ADPF 130 os jornalistas estavam “enquadrados” na Lei de Imprensa e como, a partir da ADPF 130, este “enquadramento” deixou de existir, passaram ele, por ato legislativo do STF, a ser “enquadrado” no CP.
E não se pode esquecer, com base no § 2º. do art. 5º., da Constituição da República, que tais artigos do CP são incompatíveis com tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo país e incorporados ao direito interno, v.g., Convenção Americana de Direitos Humanos, Declaração de Chapultepec.
De se lembra, outrossim, a mora do Brasil em dar efetividade à recomendação da ONU, OEA e OSCE, há quase uma década, em proscrever das leis internas a criminalização de condutas ditas ofensivas à honra.
De toda sorte, basta que se utilize a Constituição de 1988 para declarar a não recepção dos arts. 138, 139 e 140 no CP, com fundamento nos incisos IV, VIII, IX e XIV do art. 5.º, assim como no caput do art. 220 e nos §§ 1.º, 2.º e 6.º do mesmo dispositivo constitucional.
Será que passados 30 anos da Constituição da República já não é a hora de uma ADPF da OAB para enterrar os cadáveres insepultos (arts. 138, 139 e 140 do Código Penal) que, já mumificados pelas práticas processuais nas folhas de processos, ainda vagam pelos juízos e tribunais?
Liberdade da palavra – liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de consciência, a liberdade de convicção, a liberdade de expressão intelectual e científica etc.
De outro lado, já no contexto da liberdade de manifestação do pensamento, de imprensa, opinião etc., não se pode ignorar que “A função da imprensa (e de qualquer um do povo e, sobretudo, do advogado em especial, digo eu) é ser o cão de guarda público, o denunciador incansável dos dirigentes, o olho onipresente, a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade”, já ensinava Karl Marx no “A Liberdade de Imprensa”.
Para lembrar um dos nossos, transcreve-se citação recente do site Migalhas: “Todo jornalista, ou todo cidadão, tem o dever de agarrar pela gola os funcionários relapsos, sejam reis ou ministros, e expor os seus crimes na grande montra.” (Monteiro Lobato).
Marcante e sem reparos foi o pronunciamento do ministro Celso de Mello, em 11.11.2019, quando recebeu da ANJ, o “Prêmio ANJ de liberdade de imprensa de 2019”:
“(…)
A ampla difusão da informação, o exercício irrestrito de criticar e a possibilidade de formular denúncias contra o Poder Público representam expressões essenciais dessa liberdade fundamental, cuja prática não pode ser comprometida por interdições censórias ou por outros artifícios estatais utilizados para coibi-la, pois – cabe sempre insistir – esse direito básico, inerente às formações sociais livres, não constitui concessão estatal, mas representa, sim, um valor inestimável e insuprimível da cidadania, que tem o direito de receber informações dos meios de comunicação social, a quem se reconhece, igualmente, o direito de buscar informações, de expressar opiniões e de divulgá-las sem qualquer restrição, em um clima de plena liberdade.
Tenho sempre assinalado, em meus julgamentos proferidos no Supremo Tribunal Federal, que o conteúdo da Declaração de Chapultepec revela-nos que nada é mais nocivo, nada é mais perigoso do que a pretensão do Estado e dos seus agentes de regular a liberdade de expressão (ou de ilegitimamente interferir em seu exercício), pois o pensamento há de ser livre, permanentemente livre, essencialmente livre!
(…)”
O uso de palavras fortes, questionamentos etc. para fins de criticar os homens públicos faz parte do Estado Democrático de Direito, uma conquista da civilização.
No caso da declaração de Santa Cruz se observa tão-somente o uso de fatos reais e notícias veiculadas para tratar da vida pública de um homem público (Moro, Ministro da Justiça e Segurança) e para fazer crítica acerca da conduta dele.
E é de tempos remotos o direito à manifestação do pensamento.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, nos seus artigos 10 e 11, já enunciava que “Ninguém pode ser perturbado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a manifestação destas não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei” e que “A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do Homem; qualquer cidadão pode, pois, falar, escrever, expressar-se livremente, sujeito a responder pelo abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei”.
No mesmo sentido da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão são a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
No âmbito do direito pátrio, a Constituição da República em vigor, expressamente, assegura tal direito nos incisos IV, IX e XIV do art. 5.º, assim como no caput do art. 220 e nos §§ 1.º, 2.º e 6.º do mesmo dispositivo constitucional.
Sobre o tema, pode-se concluir que “a livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do Homem” (Constituição Portuguesa de 09.03.1821).
“A História é escrita e reescrita com erros e imperfeições, mas deixar de documentá-la para preservar a honra de um determinado personagem é estancar a evolução de um povo, principalmente quando este personagem é um homem público que, por sua notoriedade, não pode ficar imune a censuras (justas ou injustas), nem mesmo dos elogios (justos ou injustos)”.
Campos Maia, (in Delitos da Linguagem Contra Honra, pág. 72 e 73), leciona o seguinte:
“Ora, a imprensa, nas campanhas que move, nas censuras que irroga, nas notícias e descrições dos fatos de que dá conta, desempenha, em regra, o seu oficio, a sua função de defender o bem público, de corrigir, de emendar, de melhorar, de afastar os males que as populações sofram ou que estejam ameaçadas de sofrer; de fazer sanar erros ou deslizes; de coibir abusos; de desafrontar a opinião ou o sentimento ofendido da coletividade; de informar acerca de quanto se passa a toda a gente que a procura e sustenta, exatamente para o fim de ser bem informada, tanto quanto para o dever a causa pública defendida na altura das conveniências que ela própria ditar na ocasião.
Fora mesmo da imprensa, não é raro o caso de indivíduo dirigir a outro expressões ofensivas da reputação, do decoro ou da honra, sem que a tanto seja impelido pela intenção criminosa …
No caso do jornalista em exercício da profissão, tanto quanto nos acima referidos, ressaltarei um propósito da parte do agente, que exclui, por completo, a intenção criminosa, simplesmente porque é com esta incompatível …
Ao contrário, não é possível punir o jornalista que no cumprimento de seu dever profissional e, portanto, ao defender os interesses sociais, vier a empregar a linguagem injuriosa contra alguém, no fogo da polêmica ou no ardor da vontade, muito louvável de assegurar o bem público ou de fazê-lo de algum modo melhorar ou progredir. Aqui, o dolo específico do crime está em contraste com a intenção que realmente animou o agente e, que assim, é por esta excluído.
Há seguramente uma coisa muito mais perigosa que aquilo a que os representantes da escola adversa chamam de imunidade da imprensa: é a imunidade de cada particular, de cada funcionário, de cada autoridade, de cada governo, contra a ação fiscalizadora e repressiva da mesma imprensa. Com os abusos que esta possa cometer, alarmam-se os paladinos do sistema compressor que é da escola adversa, deslembrados, por certo, dos outros abusos, nocivos por excelência, que soem geralmente praticar os diversos elementos de preponderância mais ou menos decisivo nos meios sociais, — abusos esses, diga-se sempre a verdade que não só repetem com maior freqüência, devido, note-se bem, ao medo excepcional, ao extraordinário e invencível pavor que inspiram os ataques da imprensa livre e independente”.
A partir desses paradigmas, é possível compreender a controvérsia, assim como para dizer que a solução do caso não passava pelo que pretendido por Moro e Divino.
O caso cuida de direitos fundamentais, quais sejam, liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de consciência, a liberdade de convicção, a liberdade de expressão intelectual e científica etc., insertos no art. 5º., IV, V, IX e XIV, combinados com o art. 220, todos da Constituição da República.
Desse modo, a conduta de Santa Cruz – aí incluída a liberdade de qualquer cidadão se manifestar por meio dos meios de comunicação etc. – deve ser livre, isto é, significa dizer-poder informar, criticar etc. fatos cotidianos de interesse público, auxiliando a formar opiniões críticas, em observância ao princípio constitucional consagrador do Estado Democrático de Direito (art. 1º., caput, CF).
Analogicamente, indaga-se: “(…) de que serviria proclamar a grande importância e inexaurível utilidade do jornalismo, se, a seguir, se lhe negam os meios para corresponder a elas? Nada terá que fazer com o direito formal e abstrato contido na fórmula vazia “liberdade de imprensa”; o que ele reclama, e com toda razão, é uma liberdade de fato, uma liberdade que não se inclina ante as afetadas susceptibilidades pessoais e as ilusórias ou dissimuladas verdades da ambição. O jornalista que simplesmente narra um fato, que lhe chegou ao conhecimento de forma direta ou indireta, estará em pleno exercício de um direito constitucional e obediente aos cânones que a liberdade de imprensa estrutura e consagra” (Darcy Miranda, in Diário de São Paulo, 26.06.59).
Em arremate, Darcy Arruda Miranda, em sua obra, Comentários à Lei de Imprensa (Ed. RT, 3.ª ed. 1995, p. 102/103) acertadamente afirma que:
“Manifestação livre significa ausência de peias legais na enunciação do pensamento, ou na emissão de idéias, seja por intermédio dos jornais ou periódico, seja pela radiodifusão, ou através das agências noticiosas”. (. . .) “É esta liberdade, conhecida em todos os tempos, os todos os quadrantes, em todas as latitudes, desde Sócrates quando preferiu beber cicuta, à abjurar o seu direito de expender o próprio pensamento, de difundir suas idéias de esclarecer os espíritos atreitos às garras do obscurantismo, até a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em agosto de 1789, hoje bandeira de todos os povos cultos, fruto sazonado do liberalismo francês. É por esta liberdade, que os povos se levantam quando tiranias tentam manieta-la, quando regimes de força procuram amordaça-la, quando certa democracias caricatas, sob o pretexto de segurança nacional, buscam coartar-lhe ligera revoada.”
Impossível identificar dolo na conduta de Santa Cruz. Não houve voluntariedade em ofender, lesar. O ministro Felix Fischer (Recurso em Habeas Corpus n.º 7.484 — AC – Registro n.º 98.0025072-7), em caso semelhante, onde uma Desembargadora do TJAC requeria a condenação de um repórter pelo cometimento de crime contra a honra, porquanto este fez comentários e críticas acerca da conduta daquela autoridade, ponderou que “os dizeres havidos como injuriosos e/ou difamantes, de per si, embora possam ter — o que é comum — irritado a querelante, não chegam, nem de longe, a ser ofensivos. Tem-se, in casu, narrativas críticas, próprias da imprensa. (…) ninguém está isento ou imune a qualquer narrativa crítica. Nem mesmo os denominados agentes políticos (chefes de Executivo, auxiliares imediatos, membros das Corporações Legislativas, membros do Ministério Público, membros do Poder Judiciário, dos Tribunais de Contas, etc., no dizer de Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, pp. 68/69, 16.ª ed.), podem pretender uma posição, frente aos meios de comunicação, privilegiada, própria de regimes de opressão, autoritários (comparativamente: Serrano Neves, in Direito de Imprensa, pp. 14/18 e L.F. Coelho, in Introdução à Crítica do Direito, para quem, nunca é demais lembrar, “os valores jurídicos têm por juiz a coletividade, através de seus representantes). (…) Em segundo lugar, já quanto ao tipo subjetivo, mesmo se a manifestação atribuída é, objetivamente, deseducada ou deselegante, ainda assim, de pronto, não pode ser considerada típica. Neste particular, aplicável a qualquer forma de exteriorização, preleciona H.C. Fragoso (ob. cit., pp. 221/222) que a injúria não se configura “se a expressão ofensiva for realizada sem o propósito de ofender. É o caso, por exemplo, da manifestação eventualmente ofensiva feita com o propósito de informar ou narrar um acontecimento (animus narrandi) ou com o propósito de debater ou criticar (animus criticandi)”. Mutatis mutandis, a decisão serve como luva ao caso.
Ademais, o homem público e aquele que contrata com o poder público, diferentemente do cidadão comum, via de regra, apesar de conservar o direito à imagem (art. 5º, V, CF), está, pela própria função que exerce exposto a críticas, inclusive, de cunho negativo. Isto decorre, como sabido, da própria natureza de seus atos que passaram ao domínio público. Cuida – na hipótese, de princípio básico: como regra geral, não se deve se sentir ofendido quem se coloca voluntariamente (voluntariamente, repita-se; não intencionalmente) em situação que torne provável alvo de crítica jornalística contundente.
Desse modo, não constitui ilícito a narrativa de fatos relacionados com acontecimentos que envolvem o homem público, notadamente porque seus atos e gestos são, repita-se, observados diuturnamente e, portanto, sujeitos a críticas e comentários, por vezes, negativos, decorrentes da própria função pública que exercem.
O STF, nos autos do agravo regimental em agravo de instrumento (AI 705630), decidiu que incide ao caso o direito de manifestação do pensamento. Da notícia sobre o caso julgado colhe-se o seguinte:
“(…)
No voto em que manteve o entendimento anterior – e confirmado à unanimidade pelos ministros da Segunda Turma –, Celso de Mello afirma que o conteúdo da nota, “longe de evidenciar prática ilícita contra a honra subjetiva do suposto ofendido”, foi, na realidade, o exercício concreto da liberdade de expressão. “No contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional”, afirmou.
O ministro explicou que a liberdade de imprensa compreende, dentre outras prerrogativas, o direito de informar, de buscar a informação, de opinar e de criticar. A crítica jornalística, portanto, é direito garantido na Constituição e plenamente aceitável contra aqueles que exercem funções públicas. “O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas”, afirma.
O relator acentuou que a publicação de matéria jornalística com observações mordazes ou irônicas, ou opiniões “em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa”, especialmente se dirigidas a figuras públicas, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil. “O direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apoia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito”, concluiu.
E, no caso de Moro, “o homem público está na vitrina, é um livro aberto, e não se pode tomar a privacidade dele do modo como ocorre quanto aos cidadãos em geral”.
De toda sorte, e independente do contexto que foi ignorado por Divino, não se pode deixar de considerar que qualquer pessoa que presta serviço público, na função ocupada por Moro, não pode pretender criminalizar críticas feitas por qualquer um do povo, mesmo que seja crítica contundente.
Na realidade, no atual estágio da civilização, beira ao patético um servidor público pretender a condenação criminal de alguém por conta de uma crítica.
Nos países civilizados (espera-se que o Brasil tenha alcançado esta condição), a denúncia de Divino contra Santa Cruz e a favor de Moro sequer teria existência.
Noutro passo, convém lembrar que a todos é dado, em sede constitucional, o direito ao exercício da crítica (liberdade de expressão). A crítica é um exercício de cidadania imprescindível num Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que é salutar à garantia das instituições e liberdades democráticas. Por isso é que não se pode dizer que o simples fato de criticar a conduta de alguém caracteriza crime de calúnia, difamação ou injúria. Pretender uma posição de intangibilidade como no caso somente se admite em regimes de exceção.
Em valiosíssimo julgado, o qual deve ser paradigma para as decisões do Poder Judiciário, o preclaro Ministro Celso de Mello em sede de Reclamação[3] ao STF, pronunciou:
“Cabe rememorar, especialmente na data de hoje (11/03/2013), a adoção, em 11/03/1994, pela Conferência Hemisférica sobre liberdade de expressão, da Declaração de Chapultepec, que consolidou valiosíssima Carta de Princípios, fundada em postulados, que, por essenciais ao regime democrático, devem constituir objeto de permanente observância e respeito por parte do Estado e de suas autoridades e agentes, inclusive por magistrados e Tribunais judiciários.
A Declaração de Chapultepec – ao enfatizar que uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade, não devendo existir, por isso mesmo, nenhuma lei ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa, seja qual for o meio de comunicação – proclamou, dentre outros postulados básicos, os que se seguem:
“I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.
II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos. ………………………………………………………………………………………….
VI – Os meios de comunicação e os jornalistas não devem ser objeto de discriminações ou favores em função do que escrevam ou digam. ………………………………………………………………………………………….
X – Nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público.” (grifei)
Tenho sempre destacado, como o fiz por ocasião do julgamento da ADPF 130/DF, e, também, na linha de outras decisões por mim proferidas no Supremo Tribunal Federal (AI 505.595/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que o conteúdo da Declaração de Chapultepec revela-nos que nada mais nocivo, nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão (ou de ilegitimamente interferir em seu exercício), pois o pensamento há de ser livre – permanentemente livre, essencialmente livre, sempre livre!!!
Todos sabemos que o exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).
É ainda o Ministro Celso de Mello, em voto proferido no AgRg no AI 690.841/SP, que assim se manifesta:
A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade e interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas.
É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.
(…)
É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.
(…)”
Ora, jamais um fato que trate do direito constitucional à manifestação do pensamento, informação etc. pode desviar-se do que preceituam os artigos 5º, incisos IV, V, IX, XIV, XXVIII; art. 200, §1º e §2º, todos da Constituição Federal.
É fundamental ao Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF) que os serviços públicos sejam criticados, vigiados.
A Universidade de Columbia, de Nova York, e a ONG Instituto Palavra Aberta, promoveram no Brasil o painel “Liberdade de Expressão Global”. No evento “Lee C. Bollinger, Presidente da Columbia, um estudioso das implicações práticas da primeira emenda da Constituição do EUA – aquela que proíbe o Congresso Americano até mesmo de legislar sobre liberdade de expressão”, fez afirmação do seguinte teor:
“O pais (os EUA), liderado pela Suprema Corte, se deu conta de que, numa democracia, é preciso proteger fortemente a liberdade de expressão e de imprensa. E isso significa proteger inclusive os discursos falsos, discursos perigosos, que advogam a violência, que zombam, criticam ou mesmo dizem coisas falsas sobre servidores públicos. O escopo da liberdade de expressão deve ser tão amplo que todos se sintam seguros quando se manifestam publicamente sobre temas públicos.”
É do economista americano Walter Williams a seguinte conclusão: “É fácil defender a liberdade de expressão quando as pessoas estão dizendo coisas que julgamos positivas e sensatas, mas nosso compromisso com a liberdade de expressão só é realmente posto à prova quando diante de pessoas que dizem coisas que consideramos absolutamente repulsivas”.
No caso do Brasil, não custa lembrar, nas palavras do jornalista Reinaldo Azevedo, que “O Brasil aboliu, a duras penas, o delito de opinião.” e que “Quando o delito de opinião foi extinto, também os adversários passaram a gozar da licença de dizer o que pensam.”.
É digna de novo registro o pensamento do Ministro Celso de Mello na RCL 15234 que bem expressa o que representa – para um país que se pretende democrático – as liberdades de manifestação, expressão, de opinião e de imprensa. Veja-se trechos de notícia publicada no site do egrégio STF que cuida do caso:
“(…) Ao apreciar o pedido, o ministro Celso de Mello disse que a questão assume magnitude de ordem político-jurídica, sobretudo diante dos aspectos constitucionais analisados no julgamento da ADPF 130. Nele, “o STF pôs em destaque, de maneira muito expressiva, uma das mais relevantes franquias constitucionais: a liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado democrático de direito”, assinalou.
Liberdade de imprensa
A decisão ressalta que a Declaração de Chapultepec, adotada em março de 1994 pela Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão, consolidou princípios essenciais ao regime democrático e que devem ser permanentemente observados e respeitados pelo Estado e por suas autoridades e agentes, “inclusive por magistrados e Tribunais judiciários”. O decano do STF observa que, de acordo com o documento, “nada mais nocivo, nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão (ou de ilegitimamente interferir em seu exercício), pois o pensamento há de ser livre – permanentemente livre, essencialmente livre, sempre livre”.
O exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, para Celso de Mello, “assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades”. No contexto de uma sociedade democrática, portanto, o ministro considera “intolerável” a repressão estatal ao pensamento. “Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento”, afirmou, citando ainda precedentes neste sentido do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
O ministro Celso de Mello explica que todos esses aspectos foram examinados na ADPF 130, o que torna pertinente a alegação da defesa do jornalista de ofensa à eficácia vinculante daquele julgamento.
(…)”
Relevante, outrossim, é o fato de a decisão na RCL 15234 ter concluído que a decisão da ADPF 130 tem eficácia vinculante para casos como os dos autos e, “Numa estrutura judicial piramidal, ocorrendo divergência entre as instâncias, prevalece a posição daquela que está no topo ou mais próxima dele. No caso, prevalece a jurisprudência do STF” e, pelo de que fez Divino contra Santa Cruz, esta lógica necessária foi invertida pela pretensão de Moro.
Com efeito, o ato de Santa Cruz encontra respaldo nos seguintes dispositivos da Constituição da República:
Art. 5º.
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI – é inviolável a liberdade de consciência (…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação (…)
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
De outro lado, resta evidente que a pretensão de Moro, defendida por Divino contra Santa Cruz, vulnera o inciso V do art. 5º. da Constituição Federal, porquanto a Constituição não cuidou da criminalização da opinião.
E, no que tange à Declaração de Chapultepec, é bom que se relembre que a Constituição da República prescreve, em seu art. 5º., §2º., que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
“Na ADPF 130, o decano afirmou que o exercício concreto da liberdade de imprensa “assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades” (conjur).
Por fim, veja-se mais uma decisão do egrégio STF sobre o tema:
“250800002088 – ACESSO À INFORMAÇÃO – LEI DE IMPRENSA – LIBERDADE – “Liberdade de informação. Direito de crítica. Prerrogativa político-jurídica de índole constitucional. Matéria jornalística que expõe fatos e veicula opinião em tom de crítica. Circunstância que exclui o intuito de ofender. As excludentes anímicas como fator de descaracterização do animus injuriandi vel diffamandi. Ausência de ilicitude no comportamento do profissional de imprensa. Inocorrência de abuso da liberdade de manifestação do pensamento. Caracterização, na espécie, do regular exercício do direito de informação. O direito de crítica, quando motivado por razões de interesse coletivo, não se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão do abuso da liberdade de imprensa. A questão da liberdade de informação (e do direito de crítica nela fundado) em face das figuras públicas ou notórias. Jurisprudência. Doutrina. Jornalista que foi condenado ao pagamento de indenização civil por danos morais. Insubsistência, no caso, dessa condenação civil. Improcedência da ‘ação indenizatória’. (…). A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais. A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Jurisprudência. Doutrina. O Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático. Mostra-se incompatível com o pluralismo de idéias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus juízes e Tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência comparada (Corte Européia de Direitos Humanos e Tribunal Constitucional Espanhol).” (STF – AgRg-AI 705630 – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – J. 22.03.2011 – DJe-065 Divulg. 05.04.2011, Public. 06.04.2011 – Ement., v. 02497-02, p. 00400 – RT, v. 100, n. 909, 2011, p. 435-446)
Extreme de dúvida, portanto, que a conduta de Santa Cruz tem apoio nos incisos IV, V, IX e XIV do art. 5º. da Constituição da República; no princípio democrático de que cuida o art. 1º. Constituição da República; na Declaração de Chapultepec combinado com o art. 5º., §2º., da Constituição da República; e na jurisprudência do STF (ADPF 130, RCL 11.292-MC/SP, RCL 15.243/SP, RCL 16.074 e AC 3.410/RJ).
Conclusão
O caso Divino x Santa Cruz teve o fim correto (não ter ocorrido o crime), mas não necessariamente o melhor, pois a petição era absolutamente inepta, a Justiça Federal não era competente para julgar o caso, o ministério público não tinha legitimidade, os crimes contra a honra foram proscritos pela Constituição da República e a pretensão dos acusadores era uma manifesta violação ao direito constitucional de manifestação do pensamento, liberdade de consciência, livre expressão de consciência, de atividade intelectual, científica e de comunicação, política e ideológica.
Resta esperar que a OAB leve ao STF, via ADPF, as questões relativas à não recepção pela Constituição da República, a saber: i) a incompetência da justiça federal para julgar casos que envolvam questões pessoais de servidores federais nas quais não estejam envolvida a União e demais entes federais, ii) a ilegitimidade dos ministérios públicos para advogar causas criminais de servidores públicos e iii) a proscrição dos crimes contra a honra no Brasil.
Por fim, aviso que vou ler a denúncia do caso Divino x Gleen para também tratada dele aqui no Por Mim.
Marcos Coutinho Lobo
Advogado
[1] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e (m) Crise: Uma Exploração hermenêutica da Construção do Direito. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 80.
[2] STRECK, Lenio Luiz. Ob. cit. p. 108.
[3] STF, Rcl 15243 MC / RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJe-053 DIVULG 19/03/2013 PUBLIC 20/03/2013
4 comentários em “O caso Divino x Santa Cruz (Quando tudo estava errado)”
Antônio Augusto Santa Cruz | em: 30/01/2020 às 10:09
Uma verdadeira aula!
Administrador Administrador | em: 30/01/2020 às 11:47
Obrigado.
João Cláudio Aguiar Brito Lima | em: 30/01/2020 às 17:23
Gênio, muito interessante o artigo
Administrador Administrador | em: 30/01/2020 às 20:36
Obrigado