Não ocorre decadência nas “férias dos advogados” prevista no art. 220 do NCPC

09/10/2017

ENSAIO SOBRE A PRORROGAÇÃO DOS PRAZOS DECADENCIAIS EM DECORRÊNCIA DAS “FÉRIAS DOS ADVOGADOS” (CPC/2015, ART. 220)

AUTOR: DANIEL BLUME PEREIRA DE ALMEIDA, ADVOGADO COM ESPECIALIZAÇÃO EM PROCESSO E DIREITO ELEITORAL, PROCURADOR DO ESTADO DO MARANHÃO E MEMBRO DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO MARANHÃO“FÉRIAS DOS ADVOGADOS”. ART. 220 DO CPC. DIREITO AO DESCANSO. PRAZOS DECADENCIAIS. PRORROGAÇÃO PARA O PRIMEIRO DIA ÚTIL SUBSEQUENTE. AMPLO ACESSO À JUSTIÇA.  AIME. ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL. NECESSIDADE.

A doutrina civil, tradicionalmente, aponta o instituto da decadência como improrrogável, ao contrário da prescrição que enseja interrupção e suspensão (CC, art. 207). Entretanto, tal preceito tem sido flexibilizado pela jurisprudência, em atenção ao princípio do amplo acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV)[2].

Com efeito, em regra, muito embora prazos de natureza decadencial não se submetam à interrupção ou suspensão, tem-se admitido a aplicação do art. 224, §1º, do CPC/2015 (antigo art. 184, §1º, II, do CPC/73), nos casos em que se dá a decadência em dia no qual não há o funcionamento normal da Justiça (fóruns e tribunais), como sucede, por exemplo, nos recessos e férias forenses.

O cerne da controvérsia do vertente ensaio reside em saber se as férias dos advogados, instituídas pelo art. 220 do NCPC, prorrogam o prazo de decadência para o ajuizamento de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, que é de 15 dias, na forma do art. 14, § 1º, da Constituição Federal.

Digamos que a diplomação dos eleitos tenha ocorrido em 13 de dezembro de 2016 e o protocolo da AIME apenas em 23 de janeiro de 2017 (primeiro dia útil após o prazo da suspensão prevista no art. 220 do CPC/2015), seria a ação tempestiva?

Sobre aludida suspensão dos prazos, Daniel Amorim Assumpção neves[3]entende que “a contagem dos prazos é interrompida durante o período previsto por lei, sendo devolvido à parte o saldo do prazo ainda não transcorrido antes do início do período de suspensão”. Na passagem, o autor todavia não especifica se sua afirmação incluiu os prazos decadenciais[4].

Após refletirmos sobre o tema, parece que a melhor interpretação a ser dada é no sentido de que haja a prorrogação dos prazos decadenciais para o primeiro dia útil após as “férias dos advogados”, pois o espírito da norma é justamente permitir o descanso dos advogados no período compreendido entre de 20 de dezembro e 20 de janeiro do ano subsequente, como se dá, mutatis mutandis, com os demais profissionais do Direito, conforme as peculiaridades de cada carreira. No período das “férias dos advogados”, não há sentido que os integrantes da classe e o jurisdicionado continuem apreensivos, atentos, preocupados com prazos prescricionais ou mesmo decadenciais. O acesso à Justiça, o direito ao repouso e o objetivo legislativo do CPC/2015 estão bem acima de ortodoxias cíveis ou processuais, como a discutida na espécie.

Sabemos que a jurisprudência eleitoral entende, talvez em uníssono, que as chamadas “férias dos advogados” não teriam o condão de prorrogar prazos decadenciais, haja vista o seu caráter material. Diz que a aplicação do art. 220 do NCPC somente ocorreria em casos de prazos processuais. Ressalta ainda que os protocolos da Justiça permanecem abertos no período, o que não inviabilizaria o aviamento de medidas judiciais urgentes, a fim de afastar a “improrrogável decadência”[5].

Ao observarmos precedentes, data venia, percebemos que não houve a conveniente atualização do entendimento acerca do tema posto, após a vigência do CPC/2015. Assim como se discutiu na vigência do CPC/1973 sobre a prorrogação – ou não – do prazo decadencial quando o termo ad quem se dava dentro do período em que havia recesso ou férias forenses[6], hoje e aqui, a questão de ordem prática que surge é se ocorre a prorrogação do prazo decadencial para o primeiro dia útil depois do período denominado de “férias dos advogados”, positivado pelo art. 220 do novo CPC.

Entendemos que, ao se prorrogar o prazo para o primeiro dia útil, em razão de o lapso temporal se expirar no curso de recesso judiciário ou férias dos advogados, estaremos a possibilitar às partes/advogados a opção de utilizarem ou não esse benefício legal.

Não se mostra razoável negar-lhes o direito à prorrogação do prazo, até porque tanto no denominado “recesso judiciário” (dias 20/12 a 06/01, instituído pelo art. 62, I, da Lei n.º 5.010/66) como nas “férias dos advogados” (período de 20/12 a 20/01), a conseqüência legal será idêntica, qual seja, a suspensão dos prazos, conforme dispõe o art. 3º da Resolução CNJ n.º 244 de 12/09/2016, que regulamentou os prazos e o expediente forense no período natalino[7]. Dessa forma, o art. 220 do NCPC criou o que Humberto Theodoro Júnior habilmente denomina de recesso especial cujo efeito é o mesmo das férias coletivas[8].

Como vemos, os prazos continuarão suspensos no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, não sendo relevante para a situação o fato de se tratar de recesso judiciário ou férias dos advogados, prazos prescricionais ou decadenciais, materiais ou processuais. Distinções tecnicistas não podem suplantar o amplo acesso à Justiça, nem o sagrado direito ao repouso decorrente do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Não merecem prosperar os argumentos de que os prazos decadenciais têm natureza material, logo seria impossível sua interrupção ou suspensão. No que tange a recesso e férias forenses, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, independentemente de se tratar de prazo decadencial ou prescricional, o objetivo da lei processual é disponibilizar às partes condições de acesso ao Judiciário – sem nenhuma restrição, razão pela qual se prorrogam os prazos decadenciais. Entende que, por sua própria natureza, Natal e Ano Novo são períodos nos quais, de algum modo, o Judiciário não opera de forma plena[9]. Acreditamos que idêntico raciocínio há de ser aplicado aos prazos decadenciais durante as chamadas “férias dos advogados”. Entendemos que o prazo decadencial não se suspende, vez que permanece a fluir no decorrer do período estabelecido pelo art. 220/CPC/2015, porém o seu vencimento fica postergado para o primeiro dia útil depois das férias.

No período de que cuida o art. 220 do CPC também não ocorre o funcionamento pleno da Justiça. Não há sessões e audiências. Em muitos tribunais o  expediente é reduzido. A Portaria n.º 7/2017 do TRE-MA[10], por exemplo, estabeleceu que o horário de expediente da Secretaria do Tribunal, dos Fóruns e Cartórios Eleitorais da capital e do interior do Estado seria cumprido das 13 às 18 horas. Ou seja, o horário foi reduzido, não havendo expediente normal no período[11].

Outro ponto importante. A ação de impugnação de mandato eletivo – de natureza desconstitutiva como a rescisória – não está contemplada, de forma expressa ou tácita, como ação que tenha curso regular no período de férias forenses e/ou dos advogados. Não é possível se ampliar a regra processual que está configurada no artigo 215 do CPC/2015[12], que veda a suspensão ou prorrogação dos prazos forenses nas hipóteses em que especifica.

Quanto à prorrogação do prazo para a proposição de ação rescisória, que, como a AIME, possui caráter decadencial, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não repercute no desate do litígio a natureza prescricional ou decadencial conferida ao prazo[13], pois deve prevalecer o irrestrito acesso à Justiça. Tal entendimento não há de ser afastado no caso de prazos decadenciais expirados entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Falamos das Justiças Comum e Eleitoral, porque, em se tratando de prazos, o intérprete, sempre que possível, deve orientar-se pela interpretação mais liberal, atento às tendências processuais contemporâneas, com esteio nos princípios da efetividade, da instrumentalidade e do amplo acesso à Justiça. Afinal, “sutilezas da lei nunca devem servir para impedir o exercício de um direito”[14].

Entendemos, por tudo, ser necessária uma atualização jurisprudencial quanto à interrupção dos prazos decadenciais que se encerrem durante o período de que cuida o art. 220 do CPC/2015, a fim de se alcançar o objetivo legislativo do NCPC, que contemplou o direito ao descanso dos advogados, bem assim em atenção ao princípio do irrestrito acesso à Justiça.

 

BIBLIOGRAFIA

Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Código eleitoral anotado e legislação complementar. – 12. ed. – Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, Secretaria de Gestão da Informação, 2016, 1162 p.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12a. ed.  – rev. atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. 750. p.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado, 20a. ed., revisada e ampliada – Rio de janeiro: Forense, 2016, 2049 p.

MEDEIROS, Marcílio Nunes. Legislação eleitoral comentada e anotada. Salvador: Editora JusPodivm, 2017. 1.296 p.

NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor, 47a. ed. – atualizada e reformulada – Saraiva: São Paulo, 2016, 2333 p.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 8a. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016. 1.760 p.

LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito Eleitoral. Leme, SP: Imperium Editora, 2008. 771 p.

[1]Advogado com Especialização em Processo e Direito Eleitoral, Procurador do Estado do Maranhão e Membro do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.

[2]Vide TSE – Recurso contra Expedição de Diploma nº 671, Acórdão, Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, DJE, Tomo 065, 09/04/2013, p. 37; e STJ – EREsp n.º 667.672 SP 2007/0160889-0, Rel. Min. José Delgado, j. 21/05/2008, Corte Especial, DJe 26/06/2008.

[3]Manual de direito processual civil – Volume único. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 360.

[4]Não encontramos doutrina processual eleitoral específica sobre o tema.

[5]TSE – RESPE nº 8804 . Relator(a) Min. Luciana Lóssio. DJE 30/06/2015, p. 71; TRE-BA. RE nº 558. Relator Fábio Alexsandro Costa Bastos, DJE 03/06/2015; TRE-ES, RCED – 237, Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior, DJE 29/06/2017, p. 5/6; TRE-SP, Rel. Des. Marli Marques Ferreira, DJESP 26/07/2017; e TRE-PA, RE – 1675, Rel . Des. Lucyana Said Daibes Pereira, DJE 20/02/2017.

[6]STJ. EREsp 667.672/SP, Rel. Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado em 21/05/2008, DJe 26/06/2008.

[7] “Art. 3º Será suspensa a contagem dos prazos processuais em todos os órgãos do Poder Judiciário, inclusive da União, entre 20 de dezembro a 20 de janeiro, período no qual não serão realizadas audiências e sessões de julgamento, como previsto no art. 220 do Código de Processo Civil, independentemente da fixação ou não do recesso judiciário previsto no artigo 1º desta Resolução. Parágrafo único. O expediente forense será executado normalmente no período de 7 a 20 de janeiro, inclusive, mesmo com a suspensão de prazos, audiências e sessões, com o exercício, por magistrados e servidores, de suas atribuições regulares, ressalvadas férias individuais e feriados, a teor do § 2º do art. 220 do Código de Processo Civil”.

[8]Código de Processo Civil Anotado, 20 ed., revisada e ampliada – Rio de janeiro: Forense, 2016, p. 264.

[9] STJ – EREsp n.º 667.672 SP 2007/0160889-0, Rel. Min. José Delgado, j. 21/05/2008, Corte Especial, DJe 26/06/2008.

[10]“Art. 1º – Estabelecer que, no período de 7 a 31 de janeiro de 2017, o horário de expediente da Secretaria do Tribunal, dos Fóruns e Cartórios Eleitorais da capital e do interior do Estado será cumprido das 13 às 18 horas”.

[11]STJ – REsp 802.561/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 05.03.2008).

[12]Art. 215 – Processam-se durante as férias forenses, onde as houver, e não se suspendem pela superveniência delas: I – os procedimentos de jurisdição voluntária e os necessários à conservação de direitos, quando puderem ser prejudicados pelo adiamento; II – a ação de alimentos e os processos de nomeação ou remoção de tutor e curador; III – os processos que a lei determinar”.

[13]EREsp 667.672/SP, Rel. Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado em 21/05/2008, DJe 26/06/2008; e REsp 57.367-0, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 17.6.06).

[14]REsp n.º 11.834/PB, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, Julgado em 17/12/1991, DJ 30/03/1992, p. 3993.

 

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