Quando ocorreu a Operação Navalha o deputado estadual Ricardo Murad me consultou sobre a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa para que o governador Jackson Lago fosse processo no STJ.
Eu disse que era inconstitucional essa condição, ou seja, essa necessidade de autorização prévia não tinha fundamento constitucional.
A partir dessa afirmação, o deputado pediu que fosse elaborado uma manifestação para a PGR (Procuradoria Geral de República) sobre o meu entendimento e, depois, quando o processo veio para a Assembleia, que fosse elaborado o voto.
Não olhei ainda os votos dos ministros do STF que hoje decidiram que não há necessidade de autorização prévia de Assembleia Legislativa para que governador possa ser processado criminalmente no STJ. O que eu disse está no inteiro teor da manifestação à PGR (Procuradoria Geral de República) que segue transcrita abaixo e em PDF.
Não publico o voto do deputado porque ainda não pedi autorização para tanto, mas deve estar registrado nos anais da Assembleia Legislativa do Maranhão.
Adiante o requerimento à PGR (Procuradoria Geral de República):
“EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.
Inquérito n°. 544/BA – 2006
RICARDO JORGE MURAD, brasileiro, casado, empresário, atualmente no exercício de mandato eletivo de deputado estadual, R. G. n°. 3554397 IFP/RJ, CPF n°. 100.312.433-04, podendo ser localizado na sede da Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão, por seu patrono subfirmado, este com escritórios estabelecidos nos endereços constantes do rodapé, onde recebe as intimações, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, expor e requerer o que se segue:
DOS FATOS
- A revista “ISTOÉ” e o jornal “Folha de São Paulo”, no último fim de semana, veicularam que os ilícitos apurados nos autos do inquérito que deu causa à Operação Navalha serão denunciados pela Procuradoria Geral da República.
- Noticiam, ainda, que Jackson Kepler Lago – um dos indiciados e atual Governador do Estado do Maranhão, será um dos denunciados.
- Sucede que o Presidente da Assembléia Legislativa do Maranhão – Deputado Pavão Filho, garantiu que, porventura ocorrer do indiciado Jackson Kepler Lago ser denunciado, “a Assembléia Legislativa não dará licença para que o governador seja processado no Superior Tribunal de Justiça”. Isso é o que se extrai de matéria publicada no último documento, cujo título é “Que Navalha, que nada!. Vide inteiro teor da matéria:
“Que Navalha, que nada!
Quanto à Operação Navalha, Pavão Filho acha que, se houver denúncia por parte do Ministério Público, o governador também não será alcançado.
Mas, em todo caso, na hipótese de surgir uma denúncia formal contra Jackson Lago, Pavão Filho garante: a Assembléia Legislativa não dará licença para que o governador seja processado no Superior Tribunal Eleitoral (STJ).”
DO DIREITO
Da inconstitucionalidade de outorga de prerrogativa de Chefe de Estado a Governador de Estado
- A “sentença” do Presidente da Assembléia Legislativa, além de ser uma agressão ao trabalho da Polícia Federal, do egrégio Superior Tribunal de Justiça e da Procuradoria-Geral da República, tem como fundamento dispositivo teratológico e inconstitucional da Constituição do Estado do Maranhão que diz que governador do Estado do Maranhão somente pode ser processado por crime comum se dois terços dos deputados admitirem a denúncia.
- Pode parecer inacreditável, mas a Constituição do Estado do Maranhão – no art. 66, diz o seguinte:
Art. 66. Admitida a acusação pelo voto de dois terços dos Deputados, o Governador do Estado será submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a Assembléia Legislativa, nos crimes de responsabilidade.
- 1°. O Governador ficará suspenso de suas funções:
I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa crime pelo Superior Tribunal de Justiça;
II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo na Assembléia Legislativa.
- 2°. Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Governador, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
- 3°. Enquanto não sobrevier a sentença condenatória, nas infrações penais comuns, o Governador do Estado não estará sujeito a prisão. (dispositivo declarado inconstitucional na ADI 1100/1995)”
- É óbvio que o caput do art. 66 da CEMA, assim como os seus parágrafos, padecem de graves inconstitucionalidades formais e materiais.
- São inconstitucionais porque incompatíveis, formal e materialmente, com o art. 2°. (princípios da divisão e independência dos poderes); art. 18 (princípio da autonomia dos poderes); art. 22, I e XVII (competência privativa da União para legislar sobre direito penal e processual e organização judiciária); art. 23, I (é obrigação dos Estados zelar pelo cumprimento da Constituição Federal); art. 25 (as constituições dos Estado devem observar os princípios da Constituição da República); art. 105, I, “a” (usurpação de competência exclusiva do STJ para admitir ou não denúncia contra governadores) e princípio da moralidade inserto no art. 37, caput, da Constituição do Brasil.
- Impende frisar que o egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu – nos autos das ADI’s 978 e 1100, que os Estados não podem reproduzir o conteúdo dos §§ 3°. e 4°. do art. 86 da Constituição da República nas suas constituições, porquanto tais preceitos não se aplicam aos governadores de Estado, ou seja, já há decisões do STF que declararam a inconstitucionalidade de dispositivos que têm o conteúdo dos parágrafos do art. 66 da Constituição Estadual do Maranhão.
- Ademais, mister se faz aduzir que – tal como determina o art. 66, caput, da Constituição do Estado do Maranhão, estaria o egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA submetido a uma instância político-jurisdicional superior – a Assembléia Legislativa como órgão judicante, no que tange ao recebimento ou não de eventuais denúncias contra o governador do Estado do Maranhão.
- Ademais, mister se faz aduzir que – tal como determina o art. 66, caput da Constituição do Estado do Maranhão – estaria o egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA submetido a uma espécie de “instância político-jurisdicional superior” – a Assembléia Legislativa como órgão judicante – no que tange ao recebimento ou não de eventuais denúncias contra o governador do Estado do Maranhão.
- Não se desconhece o fato de que o egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu – quando tratou de casos semelhantes – acerca da possibilidade de Estados-membros disporem nas suas Constituições que as denúncias contra governador dependem de um “juízo de admissibilidade” das Assembléias Legislativas.
- Não obstante, já é tempo do egrégio Pretório Excelso evoluir dessa exegese. A interpretação não é consentânea à idéia de que governador não é Chefe de Estado – a quem a Constituição da República atribui a prerrogativa de que cuida o art. 86 da Constituição da República (o Presidente da República) e repetidas, indevidamente, nas constituições estaduais. A repetição é um caso manifesto de inconstitucionalidade material.
- A estacionar nesta posição o egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL haverá de – em razão dos princípios federativos, sobretudo o da simetria com o centro, reconhecer que tal prerrogativa alcança os prefeitos municipais, a depender das câmaras municipais o “juízo de admissibilidade” para que os alcaides sejam processados criminalmente pelos tribunais de justiça, pois não há distinção entre governadores e prefeitos. Ambos são chefes de poderes executivos de entes federados, pois “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, (…)” (Art. 1°. da Constituição da República).
- Não é isso o que pretende a Constituição da República quando prevê a prerrogativa de prévia autorização do Poder Legislativo para o processo-crime que tem como acusado o Presidente da República e, ao mesmo tempo, não a concede, expressamente, aos governadores e alcaides. É que estes não ostentam a condição de chefes de estado.
- Chefe de Estado, pela Constituição da República, só existe um, o Presidente da República, que encarna, por se tratar de regime presidencialista, as figuras de chefe de estado e chefe de governo. Chefe de Estado, portanto, é o representante da Nação, da República. Em suma, “é o mais alto representante público de um Estado-nação, federação ou confederação, cujo papel inclui geralmente a personificação da continuidade e legitimidade do Estado e o exercício de poderes, funções e deveres atribuídos ao chefe de Estado pela Constituição do país.”.
- É extravagante alargar o alcance da prerrogativa para atingir governadores, seja porque não se extrai tal conclusão do texto magno, seja porque tais agentes políticos não são chefes de estado.
- E acima e por cima de todas essas razões (incompatibilidades formais e materiais) não se pode ignorar a burla aos preceitos ditos inconstitucionais (Art. 66 e parágrafos da CEMA) e a violação frontal ao princípio da moralidade inserto no art. 37, caput, da Constituição do Brasil, quando os governadores denunciados – valendo-se da subserviência da maioria dos membros das assembléias legislativas – determinam que não seja “admitida a acusação”.
- O STF já declarou inconstitucionais preceitos de constituições estaduais que tinham a mesma redação da parte final do art. 66 e todo o conteúdo dos §§ 1°., § 2°. e § 3°., da Constituição do Estado do Maranhão. Vide:
“Os Estados-membros não podem reproduzir em suas próprias Constituições o conteúdo normativo dos preceitos inscritos no art. 86, §§ 3º e 4º, da Carta Federal, pois as prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental — por serem unicamente compatíveis com a condição institucional de Chefe de Estado — são apenas extensíveis ao Presidente da República.” (ADI 978, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 19-10-95, DJ de 24-11-95)
“A imunidade do Chefe de Estado à persecução penal deriva de cláusula constitucional exorbitante do direito comum e, por traduzir conseqüência derrogatória do postulado republicano, só pode ser outorgada pela própria Constituição Federal. Precedentes: RTJ 144/136, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RTJ 146/467, Rel. Min. Celso de Mello.” (ADI 1.021, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 19-10-95, DJ de 24-11-95)
“O Estado-Membro, ainda que em norma constante de sua própria Constituição, não dispõe de competência para outorgar ao Governador a prerrogativa extraordinária da imunidade à prisão em flagrante, a prisão preventiva e à prisão temporária, pois a disciplinação dessas modalidades de prisão cautelar submete-se, com exclusividade, ao poder normativo da União Federal, por efeito de expressa reserva constitucional de competência definida pela Carta da República. A norma constante da Constituição estadual — que impede a prisão do Governador de Estado antes de sua condenação penal definitiva — não se reveste de validade jurídica e, conseqüentemente, não pode subsistir em face de sua evidente incompatibilidade com o texto da Constituição Federal.” (ADI 978, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 19-10-95, DJ de 24-11-95)
“Orientação desta Corte, no que concerne ao art. 86, §§ 3º e 4º, da Constituição, na ADI 1.028, de referência à imunidade à prisão cautelar como prerrogativa exclusiva do Presidente da República, insuscetível de estender-se aos Governadores dos Estados, que institucionalmente, não a possuem.” (ADI 1.634-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 17-9-97, DJ de 8-9-00)
- Incólume, portanto, somente a primeira parte que é exatamente a reprodução do teor do art. 86 da Constituição da República. A ser material e formalmente constitucional tal reprodução, repita-se, todos os alcaides brasileiros poderão evocar tal prerrogativa e, para assembléias como a atual do Maranhão que faz juízo prévia de reprovação ao Ministério Público e ao STJ, derrogado o princípio da moralidade, bem como da independência dos poderes, da legalidade e da impessoalidade.
- A considerar os precedentes do egrégio STF acima mencionados, por outro lado, é óbvio também que o recebimento da denúncia contra governador não implica no afastamento dele do cargo, pois, como verificado, todos os dispositivos de constituições estaduais que estabeleciam tal conseqüência já foram declarados inconstitucionais.
DO PEDIDO
Diante de todo o exposto e ponderado, requer que Vossa Excelência, permissa venia, suscite, incidentalmente, a inconstitucionalidade formal e material do art. 66 da Constituição do Estado do Maranhão, porventura o indiciado Jackson Kepler Lago seja denunciado na ação penal pública que tem por fundamento os ilícitos apurados na Operação Navalha, sem prejuízo de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade contra o mencionado artigo e seus parágrafos.
Nestes termos,
pede deferimento.
São Luís (MA), 05 de março de 2008.
P.p.
Marcos Alessandro Coutinho Passos Lobo
OAB/MA – 5166″
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