“A empatia (…) é um grande desastre moral”

ilustríssima

 Empatia piora o mundo, diz psicólogo canadense

HAMILTON DOS SANTOS

RESUMO Em entrevista à Folha, o psicólogo canadense Paul Bloom, autor de livro recente em que ataca a noção de empatia, diz que a identificação com sentimentos e aflições de terceiros não deve nos servir de bússola moral. Sentir a dor do outro, segundo ele, embaralha nosso julgamento, conduzindo a respostas irracionais.

José Luiz Somensi/Fronteiras do Pensamento
O psicólogo Paul Bloom dá conferência no ciclo Fronteiras do Pensamento, em Florianópolis, em 2014

À primeira vista, parece uma tese feita para chocar, com um título talhado para chamar a atenção da mídia. No entanto, o livro recém-lançado nos Estados Unidos, mas sem previsão de sair no Brasil, do psicólogo canadense Paul Bloom, está longe de ser só isso.

“Against Empathy: The Case for Rational Compassion” [Ecco, 304 págs., R$ 71,29, R$ 40,16 e-book] (contra a empatia: por uma compaixão racional) compra uma briga formidável com a indústria da autoajuda (só na Amazon, há mais de 1.500 livros com a palavra empatia no título ou no subtítulo).

Nesse lucrativo nicho, a identificação interpessoal constitui o princípio ativo do remédio que os autores costumam prescrever para a cura de relacionamentos desfeitos, a falta de criatividade e até a dificuldade em arranjar emprego.

Mais do que confrontar o filão editorial, o que Bloom faz é argumentar sistematicamente contra a ideia de que os percalços éticos, morais e econômicos do mundo se devem em grande parte a um deficit de empatia.

Ele ataca o impulso natural que os homens têm de sentir os sentimentos alheios (ou de se projetar neles) e afirma ser justamente esse instinto uma das causas mais significativas da desigualdade e da imoralidade que predominam na sociedade atual.

Sem se ater a sutilezas semânticas nem aos diversos sentidos que o termo empatia assume ao longo da história da filosofia, o autor tem uma intenção manifesta: demonstrar que, em vez de representar a bala de prata da ética, ela é um dos combustíveis da irracionalidade.

“Vários estudos mostram que a empatia nos impele a dar mais importância ao que acontece com uma pessoa do que [ao que ocorre] com muitas”, diz o professor, em entrevista à Folha. “Ela leva não só indivíduos, mas também nações e organizações, a tomar as piores decisões. As pessoas mais empáticas são também as mais propensas a represálias violentas.”

Bloom não é desconhecido do público brasileiro. Esteve no país em 2014 para participar do ciclo Fronteiras do Pensamento e para lançar “O Que Nos Faz Bons ou Maus” (ed. Best Seller), livro em que tampouco foge à controvérsia ao sustentar que os bebês conseguem distinguir o bem do mal.

Apesar de nunca abandonar o registro científico, Bloom tem se mostrado reiteradamente como um ensaísta fino. A clareza e a capacidade de enredar o leitor em suas argumentações estão presentes tanto em textos publicados em revistas científicas (como “Nature” e “Science”) quanto nos assinados na grande imprensa, em veículos como “The New York Times” e “The New Yorker”.

Professor de psicologia na Universidade Yale, o canadense se dedica a pesquisas no campo da ciência cognitiva, notadamente na seara do desenvolvimento infantil. Entre seus parceiros acadêmicos está Steven Pinker, professor de Harvard e autor de livros como “Tábula Rasa” e “Como a Mente Funciona” (ambos lançados no Brasil pela Companhia das Letras).

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Bloom.

*

Folha – Por que a empatia não é um guia confiável para nossas ações morais?

Paul Bloom – Por uma só razão: das capacidades e faculdades humanas, ela é a mais tendenciosa. A empatia –entendida como a capacidade de compartilhar dos sentimentos alheios e, acima de tudo, de sentir a dor alheia– é um grande desastre moral. O exercício da empatia nos conduz às piores decisões e a um mundo pior.

As mais recentes pesquisas da neurociência e a experiência do cotidiano revelam que é relativamente fácil se colocar no lugar daqueles que você ama, de alguém próximo, atraente, amigável ou que se parece com você. Mas a empatia por quem lhe é distante se dá com bem menos naturalidade.

Além disso, a empatia não pode ser quantificada e naturalmente expandida. Ela funciona como um holofote, isto é, só podemos centrá-la em um indivíduo ou num grupo pequeno. Vários estudos mostram que, estranhamente, a empatia nos impele a dar mais importância ao que acontece com uma pessoa do que [ao que ocorre] com muitas.

Por fim, a empatia pode ser usada para induzir pessoas a endossar posições políticas das mais cruéis.

A que tipo de crueldade o senhor se refere?

Políticos, ativistas, artistas e até certos filósofos e sociólogos têm visto a empatia como uma espécie de fonte de bem-estar e paz social, atribuindo nossos fracassos sociais a um deficit de empatia. Eles estão equivocados. A empatia leva não só indivíduos, mas também nações e organizações, a tomar as piores decisões.

No século 18, [o economista e filósofo] Adam Smith (1723-90) notou que quanto mais empatia tivermos por alguém que sofre, mais desejaremos retaliação contra aqueles que causam esse sofrimento. As pessoas mais empáticas são também as mais propensas a represálias violentas.

A empatia compromete o nosso julgamento: damos naturalmente mais importância a uma menininha que caiu num poço do que a crises que afetam milhões de pessoas, como a mudança climática. A empatia deflagrada por histórias de vítimas inocentes é facilmente utilizada para incitar ódio contra grupos minoritários, ou para gerar apoio a guerras desnecessárias.

Qual é a relação fundamental entre empatia e justiça?

Quando consideramos que a justiça requer algum tipo de imparcialidade –ou seja, que a importância ou a beleza de uma pessoa não deveria ser levada em conta no modo como a tratamos; que a resposta empática a alguém que está na fila do transplante de órgãos não deveria nos levar a passá-lo na frente dos demais–, torna-se claro que a empatia constitui, sim, um guia muito pobre para a moral.

Trata-se, repito, de um princípio da natureza humana excessivamente tendencioso.

De onde vem essa crença, a seu ver exagerada, na força moral da empatia?

Vem de um retrocesso geral à era da irracionalidade. Muita gente, principalmente na academia, mostra entusiasmo exagerado com o poder das emoções e dos sentimentos, tornando-se cética em relação à racionalidade. Nossos heróis morais são pessoas de grandes sentimentos, não de grande inteligência. Somos encorajados a usar nossos corações, não nossas mentes. Acredito que a consequência dessa fé nos sentimentos pode ser vista de várias formas –a mais recente eleição presidencial nos EUA é um bom exemplo disso.

O sr. diria que há uma ligação entre empatia e corrupção?

Sem dúvida. A corrupção tem origem na cobiça e no interesse próprio. Além disso, boa parte dela se deve ao impulso de favorecer amigos e familiares. Esse tipo de tendência tem sua raiz, ao menos em parte, na empatia.

Ao mesmo tempo em que desenvolve uma argumentação contra a empatia, seu livro faz uma longa apologia da compaixão. Por quê?

A distinção entre essas duas capacidades humanas é crítica para o meu argumento contra a empatia. Ela é feita de forma brilhante pelas neurocientistas Tania Singer e Olga Klimecki em um artigo na revista “[“Current Biology”]”:http://www.cell.com/current-biology/abstract/S0960-9822(14)00770-2.

Elas escrevem que, “em contraste com a empatia, a compaixão não significa compartilhar do sofrimento do outro: antes, se caracteriza por sentimentos calorosos, como zelo e cuidado com o outro, assim como por uma forte motivação para melhorar o seu bem-estar. A compaixão é sentir algo pelo outro, e não sentir algo com o outro”.

Ou seja, a empatia nos leva a confundir nossos sentimentos com os dos outros e nos coloca em uma situação de pleno envolvimento. Isso não acontece no processo da compaixão, que nos coloca muito mais como observadores. Logo, é possível concluir que a empatia tende à irracionalidade, enquanto a compaixão deixa uma janela aberta para a razão.

A psicologia costuma descrever dois tipos de empatia: a emocional e a cognitiva. O “contra” do título de seu livro se refere sobretudo à primeira categoria, não é?

Sim. A empatia cognitiva é definida como a capacidade de entender o que está se passando na mente de uma outra pessoa (o que ela quer, em que acredita, como se sente), sem necessariamente compartilhar dos sentimentos dela. É uma forma de entendimento.

Mas não representa por si uma força positiva. Frequentemente chamada de inteligência emocional, ela pode ser usada para o bem ou para o mal, como qualquer tipo de inteligência.

A empatia não tem nada de bom?

Ela pode desempenhar um papel importante nos relacionamentos íntimos. Normalmente, queremos que pessoas próximas a nós sintam o que sentimos, sobretudo quando se trata de emoções positivas.

Além disso, a empatia pode ser uma fonte imensa de prazer. É uma das alegrias de termos filhos: viver experiências com as quais já se estava acostumado como se fosse a primeira vez. A empatia amplifica o prazer da amizade e da comunidade, do esporte e dos jogos, do sexo e do namoro.

Não é só a empatia para sentimentos positivos que nos engaja. Há um fascínio em ver o mundo pelos olhos do outro, mesmo quando o outro sofre. A maioria de nós é muito curiosa acerca da vida dos outros, e o ato de tentar simular essas vidas é transformador.

Um mundo sem empatia seria terrível. Só precisamos ter o cuidado de evitar usar a empatia como um guia moral.

O sr. admite que o seu livro poderia perfeitamente se chamar, por exemplo, “Contra os Maus Empregos da Empatia”. Por que insistiu num título tão direto? Marketing?

As vendas são importantes, mas não é esse o motivo. Eu o intitulei “Contra a Empatia” simplesmente porque sou radicalmente contra a empatia!

Mas é preciso ter em mente que o livro traz um subtítulo a meu ver muito significativo (“por uma compaixão racional”), que deixa claro que não sou contra a bondade, a gentileza e o altruísmo. O que faço é oferecer uma alternativa para que se alcancem tais qualidades.

HAMILTON DOS SANTOS, 54, é jornalista, bacharel e mestre em filosofia pela USP e diretor geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/03/1869257-empatia-piora-o-mundo-diz-psicologo-canadense.shtml

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