Ontem um amigo me indagou se eu tinha lido uma postagem no instragram publicada pelo atual ministro da justiça sobre o silêncio de acusados em interrogatório. Respondi: “ não o sigo, tenho mais o que fazer e, além disso, somos de mundos diferentes”.
O amigo, para o meu aborrecimento, fez o “print” da postagem e me enviou. É o que esta abaixo nesse texto e tem o seguinte conteúdo: “Fui juiz federal por 12 anos. E sempre dizia aos acusados: o interrogatório é um momento precioso para a autodefesa. Poucos abriam mão desse direito. E quando o faziam, era em razão da avaliação deles de que falar era pior do que calar”.
Respondi ao amigo: “surpresa nenhuma para mim. Repito, somos de mundo diferentes”.
Todavia, fiquei curioso sobre qual tinha sido a reação das pessoas sobre a escrita/fala do ministro. O google só me respondeu que a imprensa entendeu a escrita/fala do ministro como uma ironia do ministro após o silêncio do ex-presidente Bolsonaro num interrogatório na polícia federal.
Se o motivo foi esse – o silêncio do ex-presidente –, não sei, pouco importa, mas, se foi, importa porque não há nada de errado na conduta do ex-presidente e tudo de errado na do ministro da justiça.
Importa também de onde partiu a escrita/fala, de um ministro da justiça. E se foi pela conduta/direito de Bolsonaro de não falar (o direito constitucional, convencional, legal e civilizatório ao silêncio quando se é acusado), agrava-se mais ainda porque direcionada, a escrita/fala, a um adversário político, que está sendo investigado pela polícia federal que é subordinada ao Ministério da Justiça.
O que é ainda mais relevante é que a escrita/fala não é ironia como dizem. É o próprio ministro encarnado como juiz, como governador e agora como ministro. É ele de corpo e alma, para ser mais preciso.
A escrita/fala me faz lembrar de quando o atual ministro da justiça era governador do Maranhão e chegava de Brasília com notícias, ditas por ele, de que o ministro da justiça da época (José Eduardo Cardozo) teria passado para ele informações sobre o conteúdo de investigações sigilosas da polícia federal que tramitavam contra seus adversários políticos do Maranhão (a história está registrada nos anais do Jornal Pequeno, que bem conhece o ministro quando ele foi juiz federal no Maranhão).
“Ironia do destino” é ver os duelos verbais do atual ministro de justiça e do ex Sérgio Moro. Dois ex-juízes federais, um o espelho do outro, salvo pelo fato de que o atual não obteve êxito quando não conseguiu entregar as imagens das câmaras do ministério do Dia da Infâmia (porque a empresa contratada não as guardou) e, o outro, que não conseguiu destruir as provas da operação “spoofing”. Um fez o “lavajatismo” como juiz e foi impedido de fazer como ministro por Bolsonaro (que ironia); o outro, como juiz, governador e agora, com essa escrita/fala, como ministro da justiça.
Como dito ao amigo, não foi nenhuma surpresa para mim a escrita/fala do ministro da justiça. Já escrevi muito aqui nesse blog e noutro lugares sobre a conduta do atual ministro da justiça. Conheço a práxis do ministro. Aliás, “senti na própria pele”; “vi com meus próprios olhos”; doeu e dói na alma, e sei muito de outros casos, afinal, sempre foi a práxis nunca interditada.
Sempre soube que quando ele adentrasse ao ministro da justiça a Constituição, a CADH e demais convenções e tratados de direitos humanos seriam escorraçados. Não cabem no mesmo lugar.
A surpresa para mim é que ninguém tenha, até o momento, repreendido o ministro, sobretudo as autoridades (cadê o Senado, a Câmara, a OAB e os juristas desse país?).
E os advogados? Não nos omitamos colegas. Sei que não é fácil ser advogado no Brasil. Lenio Streck diz que advogado no Brasil é “stoik mujic”. Pois apanhemos e levantemos para reclamar, para repudiar. É por isso que vencemos a ditadura e tantas outras lutas passadas e do cotidiano no nosso fazer/ser advogados. Apanha e levanta, apanha e levanta …. Estou aqui a fazer a minha parte, apanhando e levantando.
Ano passado, depois das eleições, num monólogo com Lula, avisei-o: “Espero não voltar a escrever sobre fazer o certo que deve ser feito. Cuidado com as escolhas da sua equipe.” (https://pormim.com.br/2022/11/lula-fenix-os-abutres-e-as-obrigacoes-com-o-futuro/).
Não acredito que Lula tenha lido o “post” acima, até porque foi um monólogo. Se leu não deu importância, afinal, quem sou eu, né? Não cabe aqui redizer o já dito.
Voltando à escrita/fala do ministro da justiça, digo que ela é explicitação de ojeriza incivilizada aos sagrados direitos humanos fundamentais devido processo legal, ampla defesa, direito ao silêncio (direito à não auto-incriminação) e presunção de inocência, um concreto atentado à Constituição, à CADH e às convenções e aos tratados de direitos humanos.
É também violência simbólica contra esses direitos e a todos os brasileiros porque a escrita/fala permanece nas redes sociais, a merecer aprovação e curtidas dos seguidores do ministro da justiça, mas também pela simples omissão dos demais que têm/tiveram conhecimento dela (Síndrome de Estocolmo coletiva?).
Sobre a práxis do atual ministro da justiça frente à Constituição – quando era deputado federal –, deixemos que fale alguém de importância, Lenio Streck, já que lembrei dele acima:
“(…)
Quaisquer teses em contrário são exercício de golpismo. Vigassem quaisquer das propostas de emendas (…) que estabelecem autorizações plebiscitárias (por todas, vale registrar a de nº 193/07, capitaneada pelo Deputado Flávio Dino), o Brasil seria a primeira democracia e se autodissolver, fazendo um haraquiri institucional. (…).
Uma democracia se consolida quando todos os Poderes da República apreendem que a Constituição é a explicitação do contrato social e o estatuto jurídico do político. Estranhamente, no entremeio de uma crise, que não é institucional e, sim, política, alguns brasileiros – que se julgam mais virtuosos que os demais – querem fazer crer que a culpa da corrupção é da Constituição. É como se democracia fizesse mal a um país; é como se fosse culpa da Constituição o afloramento da corrupção em terras brasilis. Ora, é preciso entender – e qualquer estudante de direito sabe disso – que só se pode convocar uma Constituinte – ou qualquer miniconstituinte – na hipótese de uma ruptura institucional, que deve ser grave, com as instituições inviabilizadas, povo na rua, economia em crise, etc. Para a convocação de uma assembleia constituinte deve haver uma ruptura com a ordem vigente. Enfim, um golpe, uma revolução. Não se dissolve um regime democrático porque se quer outro (como seria esse outro?). A Constituição é coisa séria, fruto de uma repactuação (“we the people…”). E nela colocamos cláusulas pétreas e forma especial de elaborar emendas. (…).
Portanto, qualquer tentativa de convocação de assembleia constituinte deve ser entendida – e denunciada – como um golpe, um atentado contra a democracia. (…).
(…)” (o destaque não consta do original) (Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito / Lenio Luiz Streck. 10. ed. rev., atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 366-367.)
Voltando à conversa com o amigo, em resposta, disse para ele fechar os olhos para a escrita/fala do ministro da justiça, pois a regra do jogo constitucional, convencional e legal é que o acusado não tem de falar/provar nada. Todo acusado tem a presunção de inocência, que antecede à acusação (vem antes e é perene), continua durante a acusação e só cessa diante de decisão condenatória transitada em julgado. O Estado-acusação é que tem de provar, sem sombra de dúvida ou com certeza absoluta, a culpa, o dolo, a materialidade do ilícito e autoria do acusado.
E para todos e para me livrar do aborrecimento que foi receber o “print”, digo que a escrita/fala do ministro da justiça, a violência simbólica, é “exercício de golpismo”, “haraquiri institucional”, “ruptura institucional”, “um golpe”, “um atentado contra a democracia”, que violenta de forma gravíssima direitos humanos fundamentais, que “qualquer estudante de direito sabe disso”, ou deveria saber.
Ao atual ministro da justiça que lembre da regra elementar desde sempre sabida por todos. Voltaire já ensinava que “antes arriscar-se a salvar um culpado que condenar um inocente.” (ZADIG ou O DESTINO, história oriental). Desejo ao ministro “que os céus vos faça melhor do que vossos pensamentos!” (Wiliam Shakespeare. As Alegres Comadres de Windsor).
OAB! reage com veemência, pois “Um homem deve dar toda importância à escolha dos seus inimigos.” (Oscar Wilde. O Retrato de Dorian Gray).
Enfim, não curti a postagem do ministro da justiça. Recomendo: não curtam, é muito grave. A Constituição adverte: É um veneno para a democracia. Atentai, Lula! Não curta.
5 comentários em “Atentai, Lula! Não curta”
Sebastião Uchoa | em: 16/09/2023 às 13:51
Belo tratado de recomendacao colega Marcos Lobo. Mas como há simbiose arquétipa entre Lula e Dino, penso que o indigitado presidente “reconduzido”, em igual atitude dantes, se fará omisso qdo acesso tiver à presente reflexao ou nao, tendo, passar-se-á como mais um advertencia omissa de seus asessores que o blindará por conveniencia de interesses afins. Só lembraria Sobral Pinto qdo vaticinou que a advocacia nao é profissao para covardes. Parabéns!!!
Administrador Administrador | em: 17/09/2023 às 12:00
Obrigado pela manifestação.
Roberto Henriques | em: 17/09/2023 às 01:59
Caríssimo Marcos Lobo,
Seu Mergulho na Constituição não deixou seu “calcanhar de fora”. Portanto, suas palavras de Jurista — têm a Vida da Vida da Constituição, sem corrupção semântica e, na trilha por onde o Direito se mantém de pé.
Mais um texto brilhante . Obrigado por nos oferecer Razões . “A razão menor deve dar lugar à Razão Maior”(Nietzsche).
Seu texto é um Grito a favor da Razão Maior .
Abração. Parabéns.
Administrador Administrador | em: 17/09/2023 às 12:02
Fico grato e com esperança que outros se apresentem em defesa da nossa Constituição e da democracia.
Pedro jansen rodrigues filho | em: 17/09/2023 às 18:36
Como a vida muda com o tempo,pensei que fosse só a da idade mas também o que outrora tínhamos como verdadeiro nas diversas situações vividas,aprendidas após os ensinamentos pelos doutos
professores signatários, que perda de tempo,enfim não posso dedilhar os fatos,mas o tempo me mostrou o ledo engano ao aprender.