NÓS, OS ADVOGADOS, POR ELES, OS JUÍZES. De um ex-advogado para os advogados

REVISTA OAB: ADVOCACIA HOJE | JUNHO 2019

NÓS, OS ADVOGADOS, POR ELES, OS JUÍZES De um ex-advogado para os advogados

Luís Roberto Barros

“ O maior perigo, para a maioria de nós, não é que o alvo seja muito alto e não se consiga alcançá-lo. É que ele seja muito baixo e a gente consiga. ”

“(…)

2. Os advogados, por um juiz que tem alma de advogado

Já há alguns anos na magistratura, conservo largamente a alma de advogado. Gosto de exemplificar esse sentimento com uma história real que se passou comigo quando me mudei para Brasília. Meus filhos, que eram ainda bem jovens, insistiram em um passeio de barco pelo Lago Paranoá. Minha mulher escapou do programa, mas preparou um isopor com refrigerantes, águas e, creio, umas duas cervejas. Já no meio do lago, apoiei minha perna no tal isopor, que era de péssima qualidade, e ele ruiu. Voltei para casa sobraçando cacos de isopor e disse para minha mulher: “Pisaram no isopor! Veja como ficou”. Mas as mulheres têm alma de Ministério Público. E ela imediatamente me perguntou: “Quem pisou?”. Ao que respondi prontamente: “Estou aqui para defender o isopor, e não para acusar ninguém”. Pano rápido. Isto é ter alma de advogado.

Hoje, como juiz, compartilharia com os advogados convicções que tinha quando atuava do outro lado do balcão, e que mantenho até hoje. Algumas delas:

1. Advogados são a alternativa que o mundo civilizado concebeu contra a força bruta. Em lugar de lutas físicas, disputa-se com o melhor argumento. Advogados são agentes do processo civilizatório. Por isso mesmo, seja sempre elegante. Uma tese não se torna mais convincente por ser enunciada aos gritos ou de modo grosseiro.

2. Tudo o que é certo, justo e legítimo deve encontrar um caminho no Direito. O papel do advogado é achar esse caminho. Um advogado não se conforma com interpretações literais, com portas fechadas ou juiz de cara feia.

Há uma força poderosa no universo que protege quem se move por propósitos honestos.

3. O advogado não se confunde com seu cliente. Muito menos é seu cúmplice ou compartilha-lhe as culpas. O advogado desempenha uma função essencial à justiça, permitindo que o direito de defesa e o contraditório sejam exercidos. De modo que a reprovação social ou moral que o cliente possa eventualmente merecer não se transmite ao advogado. Não há causa imoral. Não importa o que o cliente tenha feito. O que pode haver é conduta imoral do advogado. Mas aí, por mérito próprio. A que seja imputável apenas ao cliente não se transmite ao advogado.

4. Escreva com clareza, simplicidade e objetividade. Já foi o tempo em que escrever e falar difícil era sinal de inteligência. Hoje é justamente o contrário. E, sobretudo, seja tão breve quanto possível.

5. A gente não ganha todas. E há vida depois da derrota e muitas lutas após a vitória. Seja humilde na vitória e altivo na derrota. Não ofenda ninguém, mesmo quando acreditar ter razões para isso. A vida nos faz passar muitas vezes pelas mesmas estações e é bom deixar o caminho desobstruído.

6. O advogado deve olhar o mundo do ponto de observação de seu cliente. Isso não dá a ele o direito de mentir. As pessoas, na vida, têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos. Mas há um aspecto relevante: a verdade não tem dono e, em muitas situações, não há certezas absolutas. Somente diferentes modos de ser ver a questão.

7. Eu considero que o maior advogado do Brasil é anônimo e trabalha, com recursos escassos e sem holofotes, em alguma comarca do interior. Provavelmente lutando contra a prepotência de algum poderoso.

São essas as breves reflexões que me ocorrem. Fui muito feliz na advocacia. E cumpro com alegria a missão que a vida me deu de ser juiz no Supremo Tribunal Federal. Mas até hoje me emociono ao ouvir uma sustentação precisa ou uma peça bem lançada. Às vezes acho que meu coração ficou do lado de lá.

Luís Roberto Barroso é Ministro do Supremo Tribunal Federal.

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