ANÁLISE: Cesare Battisti, uma fraude ambulante
Campanha de desinformação a beneficiar o pluriassassino chega ao fim com o seu ingresso em território italiano para cumprir condenações reexaminadas e confirmadas por mais de 60 juízes
Wálter Maierovitch*, O Estado de S.Paulo
15 Janeiro 2019 | 05h00
A campanha de desinformação a beneficiar o pluriassassino Cesare Battisti chega ao fim com o seu ingresso em território italiano para cumprir condenações reexaminadas e confirmadas por mais de 60 juízes. Mais ainda, foram condenações declaradas válidas pela Corte de Direitos Humanos da União Europeia, com sede na francesa cidade de Estrasburgo.
Essa Corte europeia decidiu – aplicando a sua pacífica jurisprudência – não ser Battisti autor ou partícipe de crime político, pois não se pode matar ninguém por motivação ideológica. Após os assassinatos, a organização terrorista de Battisti (PAC-Proletariados Armados para o Comunismo), a fim de difundir o medo, distribuía volantes chamando as vítimas fatais de “porcos a serviço do capitalismo”. No caso e sem nunca ter tido anterior contato com as vítimas (eram escolhidas por propaganda em jornais dos seus estabelecimentos), foram surpreendidos e executados um açougueiro de pequeno município, um motorista policial de transporte de presos, um agente penitenciário e um joalheiro de periferia (neste caso, Battisti foi condenado por participação e não por coautoria).
Para a Corte de Estrasburgo não houve nulidade processual. Não ocorreu violação ao princípio da ampla defesa e Battisti – que optou por ser revel ao fugir – constituiu defensores. A propósito e mundo afora, dentre os protetores de Battisti ninguém ousou comparar e afirmar ter Earl Ray cometido crime político ao matar Martin Luther King, com quem nunca teve anterior contato pessoal.
Pelo que se percebe, nem o vice-presidente boliviano, Garcia Lineira, ex-guerrilheiro Tupac Katari, apontado como um dos líderes dos socialistas sulamericanos, parece ter entrado na aventura de tentar influenciar o presidente Evo Morales a não expulsar Battisti. Vale lembrar no campo da geoeconomia e da geopolítica a preocupação de Morales com a dependência da Bolívia ao Brasil: Morales esteve na posse de Bolsonaro.
Por outro lado, pá de cal restou posta à mentirosa afirmação de ter Battisti sido condenado com base em prova única, ou seja, a delação premiada de Pietro Mutti.
Mutti era um dos fundadores da organização eversiva Proletários Armados para o Comunismo (PAC), da qual Battisti comandava o grupo de extermínio. A prova testemunhal confirmatória das acusações é farta contra Battisti. Alguns exemplos. O ideólogo do PAC, Arrigo Cavalina, que cumpriu 12 anos de prisão fechada, disse que, antes dos crimes de sangue praticados, Battisti era um ladrão comum (“e ladrões são proletários”) que conheceu no cárcere e ingressou na organização terrorista. Outro expoente do PAC, Luigi Bergamin, declarou ter matado com Battisti o açougueiro, mas “não tinha a mesma fúria sanguinária de Battisti”. A atual professora de história da Universidade de Verona, Maria Cecília Barbetta, ex-integrante do PAC e que namorou Battisti, contou ter ele lhe revelado em detalhes de como era a sensação quando se matava uma pessoa e via-se o sangue jorrar, com referência especial ao assassinato do agente penitenciário Antonio Santoro. Sante Fantone, contou os relatos que Battisti lhe fez quando perpetrou dois assassinatos.
Quando preso na Itália em junho de 1979, Battisti estava escondido no apartamento de Silvana Marelli. Na sua posse foram apreendidas cinco pistolas automáticas municiadas, um fuzil carregado e uma bomba caseira.
Não se deve olvidar, ainda, o testemunho do médico Diego Fava, pelo PAC sorteado para morrer. Ele contou ter Battisti lhe apontado e disparado um pistola que travou. Em razão disso, Roberto Salvi fez os disparos a feri-lo gravemente. Salvi confessou os disparos e de ter disparado após a falha da pistola de Battisti.
Em breve, será revelado o nome dos integrantes da rede transnacional de proteção a Battisti, como noticiou ao HuffPost Itália o chefe da direção antiterrorista da Itália, Lamberto Gianini.
Trata-se de rede originalmente tecida na França com o fim da chamada doutrina Miterrand, uma ordem verbal de não extraditar os que se declarassem desassociados da luta armada. Quando a Justiça francesa decidiu pela extradição, Battisti fugiu e sustentou-se na rede de apoio. Chegou ao Brasil.
Preso, Battisti vai poder questionar, na Justiça italiana, a quantidade da pena, pois a extradição determinada pelo nosso STF – que deu causa à expulsão – fixou o máximo de 30 anos e a Itália aceitou. Battisti poderá tentar o benefício premial de redução sancionatória pela desassociação à luta armada ou, ainda, postular os benefícios recém introduzidos no Código Penitenciário. Na Justiça brasileira, os seus pedidos e os habeas corpus impetrados em seu favor serão declarados prejudicados por perda de objeto. Não conta mais a jurisdição brasileira.
No mundo civilizado, onde não se admite matar por ideologia e nem se chegar ao poder senão pelo voto, muitos, nessa campanha de desinformação pró-Battisti, saíram desmoralizados e, outros, apenas se chamuscaram. Por exemplo, o ex-ministro Tarso Genro desmoralizou-se por haver sustentado Battisti no governo Lula e sem se dar ao trabalho de conhecer a história italiana e o teor dos processos sobre Battisti. Genro inventou – e nenhum livro de história conta – ter Battisti lutado contra um governo fascista. Atenção: o presidente da Itália era o socialista Sandro Pertini, houve o “Compromisso histórico”, onde eurocomunistas, por Enrico Bellinguer, e políticos de centro esquerda, por Aldo Moro (sequestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas), tinham se comprometido com a manutenção da democracia, sem admissão de influências externas, quer norte-americana, quer soviética.
Dentre tantos, sai chamuscado o ex-presidente Lula. Depois de o Supremo haver concedido a extradição de Battisti e outorgado ao presidente da República, inusitadamente, a última palavra sobre a extradição, Lula entendeu em manter Battisti no Brasil, no último dia do seu mandato. O ministro Luís Roberto Barroso, como advogado de Battisti, quis mudar a história dos autos dos processos italianos e própria historia da Itália (confira-se vídeo no YouTube). No Supremo, Barroso coloca-se em panos de combatente da impunidade.
* JURISTA E PROFESSOR DE DIREITO PENAL
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