O Governador do Maranhão apresentou hoje um artigo, publicado na Folha de São Paulo, com críticas à decisão do juiz Moro que condenou o Lula.
Essa não foi a intenção verdadeira. O intento, adiante demonstro isso, é fazer autodefesa no caso do dinheiro por ele recebido da Odebrecht.
Antes, porém, é de se dizer que quem tem um pingo de juízo jurídico sabe que a decisão do Moro que condenou o Lula padece de vícios mais graves do que os apontados pelo governador-articulista.
Sobre a decisão do Moro irei tratar em outro texto, em breve.
Vamos ao caso do artigo do governador do Maranhão.
A primeira razão suficiente para dizer que o intento do artigo é autodefesa é que o governador não acredita e nem pratica o que diz.
A frase primeira do artigo, “Uma sentença judicial não pode derivar apenas do sentimento do julgador.”, é o inverso da conduta do governador-articulista. Quem quiser ver como o governador do Maranhão produz uma sentença, busquem na internet o áudio de uma reunião ímproba (porque não se pode usar prédio público para esses fins) que ele manteve com policiais do Maranhão, na sede da Embratur, para tratar de campanha eleitoral. Entre tantas promessas e coisas instrutivas ditas pelo governador, há uma parte em que ele, aos risos, ensina como se produz uma decisão:
“quando eu entrei pro governo federal, eu soube, no primeiro mês, assim, que tinha um monte de gente do Exército no corredor, na Justiça Federal em São Luís… eu soube que era um problema de ’um processo e o comandante quer falar com o senhor’, do 4º. BC. Eu disse: bem, claro! Aí entrou o comandante, entrou um (…) aquela história toda… e era o mandado de segurança de um cara que era sentinela da vila militar lá em São Luís. E aí teve um oficial que viajou e aí ele foi namorar com a mulher do oficial que viajou… (risos) Aí, namorando a mulher do oficial, né? Aí, descobriram a confusão e ele foi licenciado a bem do ofício. Aí o cara entrou com mandado de segurança. Aí tem um detalhe: ele não era efetivado naquela época, tem um termo militar que eles usam… Ele era guarda, fazia segurança lá e aí começou com a mulher do cara e não tava de serviço no dia. Aí descobriram, punição disciplinar, que o RDE no caso, licença ex-ofício e vai embora e o cara entrou com o mandado e cai pra mim. Uma confusão (risos) Aí eu disse: isto aqui é um absurdo, isso aqui não pode, ele não tava de serviço e assinei. Mas aí tinha aquele negócio de pendor militar e tal. Aí eu disse: rapaz, que é que eu faço? Aí estudei e chamei o comandante de novo e disse: meu amigo, eu vou dar a ele uma reintegração do sujeito. Ele disse: ‘é um absurdo. Se a gente botar esse cara direto no quartel o cara vai matar ele’. Eu pensei: não correr esse risco, eu não quero esse ônus e tal e disse reintegre e tal e no outro dia o senhor transfere ele pra bem longe do senhor. Na época, 1994, eu declarei parcialmente inconstitucional o RDE, dizendo que o RDE não poderia entra na vida privada e etc. Sei que o RDE não se referia à vida privada e tal e reintegrei o cara e o comandante transferiu ele pra bem longe. Eu não sei pra onde ele foi. O primeiro processo que eu julguei na Justiça Federal foi o desse cara aí…”
Viram como “Uma sentença judicial não pode derivar apenas do sentimento do julgador.”?
Tem um outro caso relatado a mim pelo saudoso amigo Walter Rodrigues (que falta faz o Walter). Um dia eu conto em detalhes, mas há jornalista que participou da audiência que pode se antecipar e contar tudo. Adianto apenas o final (que não ocorreu por intervenção do Walter): foi feita uma proposto de acordo no qual nunca mais se poderia fazer crítica a determinadas pessoas. Tudo isso depois da Constituição de 1988.
Dos dois casos relatos (ufa, já bastam esses), que tal? Bem “(…) compatível com a democracia, (…)”, no estilo de “(…) um edifício jurídico composto pela Constituição.”, né?
Quanto às críticas a decisão “morista”, o governador-articulista diz o mais do mesmo que dezenas de jornalistas e juristas já pronunciaram com mais competência e técnica. É uma síntese mais ou menos.
Não obstante, no contexto do artigo, o “ovo da serpente” está na parte que o governador do Maranhão pronuncia para o Brasil inteiro, especialmente para o STJ, a título de autodefesa antecipada e não em defesa de Lula, que sem o ato de ofício não há o crime de corrupção passiva. Veja-se a parte do artigo que contém o verdadeiro intento o governador-articulista:
“O primeiro andar abriga a deficiente configuração do crime de corrupção passiva. Desde o julgamento da Ação Penal 307, o Supremo Tribunal Federal fixou em nosso edifício jurídico que não basta o recebimento de vantagem por funcionário público para se ter representado esse tipo de infração.
É “indispensável (…) a existência de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência”, disse o STF. (…)”
Traduzindo para o caso do governador: ele recebeu o dinheiro da Odebrecht, mas como não fez o parecer encomendado pela Odebrecht (o ato de ofício), não ocorreu a corrupção passiva.
A defesa de Lula que o governador do Maranhão faz parece muito com a defesa que ele fez da “Lei do Cão”, quando dizia para todos os sindicatos e associações de servidores que a lei era constitucional; com a defesa que fez do Jackson no RCED, quando dizia que não haveria cassação; e com a defesa da PEC 300 na reunião com os policiais na Embratur, quando prometeu a PEC 300 estadual se fosse eleito governador (“eu disse… se até lá a gente não construir… Primeiro, a gente precisa ganhar, claro. Em a gente ganhando, se até lá vocês não acharem uma saída nacional, a gente constrói uma lá na Assembleia. Nada impede.”).
Eu achei fofa, metaforicamente do ponto de vista jurídico, a frase final do texto do governador do Maranhão: “Para isso existem os tribunais: inclusive para dizer “não” a sentimentos puramente pessoais, que podem ir para as urnas, nunca para sentenças.”.
Ai, ai, ai, cuidado Lula, vai cuidar da tua defesa.