OPINIÃO
Corruptores passaram a ser fonte da verdade absoluta com a delação premiada
18 de abril de 2017, 6h40
*Artigo originalmente publicado no jornal Zero Hora desta segunda-feira (17/4) com o título A Crise.
O Supremo Tribunal Federal instaurou inquéritos em relação a 8 ministros, 24 senadores e 39 deputados. Os inquéritos indicam corrupção ativa/passiva e/ou crime eleitoral. O Supremo Tribunal Federal enviou para o Superior Tribunal de Justiça os pedidos em relação a 12 governadores. E, para o primeiro grau, aqueles relativos aos que não têm foro especial.
Vejamos os números. O Senado Federal se compõe de 81 membros. A Câmara dos Deputados, de 513. Dos senadores, 57 (70%) não foram objeto de pedido de inquérito. O mesmo em relação 474 deputados (92%). Dos 27 governadores, 15 (55%) não são objeto de pedidos de inquérito. Apesar dos números, a mídia logo afirmou que o sistema político ficou “em ruínas”. As redes sociais passaram a destilar ódio e prever o “fim do mundo”.
Há dois pontos que chamam a atenção. Primeiro, a afirmação enfática que o sistema político está em “ruínas” — acabado. Os inquéritos abrangem 12% da totalidade dos membros do Congresso Nacional, composto de 594 (deputados e senadores). Está-se, com aquela afirmação, pretendendo que o sistema político seja integrado somente por políticos com mandato e que 12% destes sejam o todo. Estamos diante do erro lógico da generalização empírica, apontado por Karl Popper.
Segundo ponto. Do fato de terem sido instaurados inquéritos concluem, desde logo, que todos são culpados. Em programa de notícias da TV, jornalistas disseram que, não obstante o conteúdo enfático das delações, os políticos continuam a negar tudo. Aqueles, que visaram vantagens com suas delações, passaram a ser fonte da verdade absoluta(!!!). [Os corruptores passaram a ser fontes de certeza (!!!)].
Os números e a forma institucionalizada (processual) de tratamento do assunto, não autoriza a afirmação de catástrofe. Por que essa necessidade de ver e afirmar, sem maiores indagações e responsabilidade, que nos encontramos em estado de calamidade universal? Pretende-se, com isso, viabilizar o aparecimento de um “caudilho” redentor? Um golpe?
Os problemas que hoje vivemos demandam lucidez para o seu enfrentamento. As percepções catastróficas levam a querer soluções “heterodoxas”, que nada são do que a substituição de um problema por outro. Nossas instituições têm como tratar de questões agudas. São aparelhadas para o tratamento da questão, que diz com responsabilidades individuais e não coletivas ou universais.
Devemos enfrentar a crise do momento, sem pretender desqualificar o momento político. A criminalização da política serve a impostores e déspotas. Crise política se resolve pela política.
Nelson Jobim é jurista e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.
Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2017, 6h40