Gleen Greenwald e Vaza Jato: é jornalismo, é liberdade de imprensa

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Glenn Greenwald: “Nosso trabalho vai fortalecer a Lava Jato e o combate contra a corrupção”

Morris Kachani

20 de agosto de 2019 | 16h35

Foto: Divulgação

“Não temos capacidade para proteger alguém ou bloquear a publicação de determinada informação. Há dezenas de jornalistas de outros veículos trabalhando com o acervo completo”

“Acredito que Moro começou com intenções boas, mas como acontece com qualquer pessoa que queira muito poder, sem transparência, sem ser questionado ou investigado jornalisticamente, ele passou a se sentir um herói, um homem nobre, e que qualquer coisa que fizesse parecesse justificável. Foi exatamente isso que comprometeu ele e a Lava Jato”.

“Como jornalista, nunca se pode ter 100% de certeza da autenticidade e também não se pode provar o negativo. Não posso provar que não tenha uma palavra adulterada pelo hacker, mas fizemos muitas coisas para provar a autenticidade das mensagens”.

Principal artífice da Vaza Jato conversou com este blog no final da semana passada.

Começando com duas questões centrais, pelas quais você tem sido criticado: por que o Intercept não coloca todos os arquivos de uma vez no ar? E, há ou não posicionamento político na maneira como as informações estão sendo organizadas?

Sobre a primeira questão, na minha opinião, seria impossível publicar tudo de uma vez porque o acervo que recebemos é imenso, é gigante, e provavelmente para processar jornalisticamente todo o material, demoraria pelo menos 6 meses, 9 meses ou 1 ano. Eu acho que não é responsável, quando você tem na mão informação pronta para ser reportada, negar o direito do público de saber a esse respeito por um tempo tão longo. Imagine se simplesmente ficássemos quietos 6 ou 9 meses para analisarmos todo o material antes de publicarmos alguma coisa. Acho que seria antiético.

Não é jornalismo em minha opinião, ficar quieto quando você tem em mãos informação de interesse público

Não é jornalismo em minha opinião, ficar quieto quando você tem em mãos informação de interesse público. Sobre o que pessoas que orbitam no poder, como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, estão fazendo. Você tem que publicar o que estiver pronto.

Acho que é impossível processar e entender toda essa quantidade de informação, de uma só vez. Imagine se nós publicássemos 130 ou 150 artigos de uma só vez. Quem vai ler isso? Ninguém. As pessoas vão pensar, isso é um livro, não é um artigo.

Nós usamos o mesmo método que usamos nas reportagens com Snowden, quando trabalhei aqui no Brasil com a Globo http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/09/documentos-da-nsa-apontam-dilma-rousseff-como-alvo-de-espionagem.html. A gente reportava o material na medida em que ficava pronto. Não ficamos quietos até que tudo estivesse pronto, e essa é a maneira certa.

Sobre essa questão da seletividade, nossa regra é muito simples. Nós pesquisamos o acervo, e encontramos o material que é de interesse público. Às vezes o material é mais simples, às vezes mais complexo, o que faz com que demore mais tempo para publicar. E só publicamos quando estiver pronto.

Mas, exatamente para resolver esta questão, de que supostamente estaríamos usando o acervo em favor de nossos próprios interesses políticos, ideológicos, nós abrimos o acervo para muitos veículos da mídia, inclusive Folha, Veja, UOL, BuzzFeed, BandNews. Também conversamos com o Estadão, que me ligou, e eu disse que com certeza teríamos interesse em trabalhar também.

Portanto, temos várias publicações da direita, do centro e da esquerda, trabalhando com o mesmo acervo. De maneira que não temos capacidade para proteger alguém ou bloquear a publicação de determinada informação. Há dezenas de jornalistas de outros veículos trabalhando com o acervo completo, com o mesmo acervo com o qual estamos trabalhando.

Eles têm acesso a um pedaço desse acervo gigante, certo?

Não, não. Eles têm o mesmo acesso que nós temos. Muitos jornalistas deste pool, assim como nós, contam com um programa específico que proporciona busca em todo o acervo através de palavras-chave.

Mas o acesso é ao acervo inteiro, mesmo?

Ao acervo inteiro.

Como funciona esta parceria? Se todos têm acesso ao mesmo acervo, como se dividem na cobertura? Cada um publica o que quiser, quando quiser? Quais são os critérios?

Nossos parceiros jornalísticos pesquisam o arquivo e decidem quais matérias querem desenvolver e relatar. Nós mantemos o direito – no caso de acreditarmos que seria antiético publicar algo (por exemplo, se invadiu a privacidade de alguém ou de outra forma não era do interesse público) – vetar esse desejo, mas que eu saiba, isso tem nunca aconteceu.

Coordenamos centralmente nossa parceria na redação para garantir que não haja duplicação. Houve ocasiões em que um dos parceiros queria trabalhar em material já relatado por nós ou por outro parceiro, mas a coordenação foi relativamente fácil, devido ao grande tamanho do arquivo: há histórias para todos.

A parceria envolve pagamento de freelance e colaboração?

Não, nenhuma de nossas parcerias implica pagamento de qualquer tipo.

Qual é o tamanho do acervo?

Eu prefiro não falar especificamente sobre o tamanho. Mas posso falar que é maior que o arquivo do Snowden. E o arquivo do Snowden, naquela época, já era o maior arquivo da história do jornalismo.

Vocês poderiam ter colocado os originais em uma nuvem. Wikileaks fez isso.

Sim, Wikileaks fez isso, mas foi criticado por muito gente, inclusive por mim. Por exemplo, nas eleições de 2016, publicaram muitos e-mails mas não selecionaram o que era de interesse público. Por causa disso, invadiram a privacidade de pessoas. Foram criticados muito duramente e quase consensualmente. Até eu que sempre defendi o Wikileaks, critiquei. Se a gente fizesse isso, todo mundo nos criticaria. E eu concordaria com estas críticas. Acho que os jornalistas têm a obrigação de selecionar apenas o material que é de interesse público.

Outra questão é que muitos vazamentos aparecem incompletos, eles não contam a história total. Nesses casos precisamos fazer reportagens para além do acervo, com o fim de completar a reportagem.

Então, não acredito no método do Wikileaks, tenho certeza de que se fizéssemos isso, todo mundo criticaria a gente por publicar coisas que não deveriam ser publicadas.

No caso dos Pentagon Papers, os jornalistas do New York Times se trancaram em um hotel e ficaram analisando os arquivos loucamente, até a publicação. Quer dizer, primeiro eles tiveram uma noção do todo, para depois publicar por partes.

Sim é verdade, mas também naquele caso o NYT não publicou tudo que o Daniel Ellsberg (fonte dos documentos) passou. E ele é meu amigo, fundamos juntos uma entidade sobre imprensa livre, a Freedom of the Press Foundation. E até hoje ele fica zangado com o NYT pelo material que não foi publicado, até hoje ele acha que deveria ter sido publicado. Fizeram julgamentos jornalísticos sobre o que deveria ou não ser publicado.

Mas naquele caso é muito diferente porque os papéis contam uma mesma história, sobre como o governo norte-americano estava mentindo a respeito da Guerra do Vietnã. Não eram artigos isolados e separados, como no caso dos arquivos do Snowden, dos Panama Papers, ou da Vaza Jato.

Quando o NYT, o Guardian e o El País trabalhavam com o Wikileaks sobre documentos a respeito das guerras no Iraque e no Afeganistão, também não publicavam tudo de uma vez. Publicavam os artigos na medida em que ficavam prontos.

Como fazem a filtragem do que é público e do que é privado?

Acho que este é o julgamento que todos os jornalistas fazem todos os dias, não há nada específico. A questão é se as mensagens têm relação com o trabalho público que a Força Tarefa da Lava Jato e Sergio Moro fizeram. O único exemplo que posso mencionar que tivemos um pouco de dificuldade, foi relacionado às palestras que Deltan estava fazendo. No fim isso mostrou como ele estava explorando o poder de procurador que ele tinha, para lucrar. Isso levanta questões éticas. Essa foi a única situação que apareceu até agora, porque lidava com ele lucrando, e não como procurador, mas utilizando-se de seu poder.

Me chamou a atenção, que nas mensagens não aparecem os procuradores ou o próprio juiz trocando mensagens com jornalistas e empresários. E sabemos que a mídia teve um papel importante na divulgação de vazamentos.

Tem dois aspectos. Primeiramente, um jeito que usamos no The Intercept Brasil, com a Veja, a Folha e outros, para verificar a autenticidade do acervo, é que conseguimos encontrar conversas entre procuradores da Lava Jato e jornalistas. Conseguimos comparar as conversas do acervo com as conversas nos telefones dos nossos repórteres e vimos que são iguais. Esse foi um método que utilizamos para verificar autenticidade.

uma coisa muito importante a se dizer é que a Lava Jato usou vazamentos à imprensa o tempo todo para operar. É uma questão sensível porque não queremos invadir o relacionamento entre jornalistas e fontes, por defender, obviamente, o sigilo da fonte, mas, por outro lado, tinha vazamentos ilegais que os procuradores estavam fazendo e, nesse caso, com certeza vamos reportar

Já discutimos isso com Folha, Veja, UOL, mas tem muito mais o que reportar, e uma coisa muito importante a se dizer é que a Lava Jato usou vazamentos à imprensa o tempo todo para operar. É uma questão sensível porque não queremos invadir o relacionamento entre jornalistas e fontes, por defender, obviamente, o sigilo da fonte, mas, por outro lado, tinha vazamentos ilegais que os procuradores estavam fazendo e, nesse caso, com certeza vamos reportar.

Ainda há muito o que ser reportado. Não é porque não tocamos em determinados assuntos ainda, que eles não aparecerão.

Bolsonaro falou que você não é jornalista, mas militante. Você é jornalista, militante ou os dois?

Eu acho que esse debate não é interessante, de quem é ou não jornalista. Uma pessoa que trabalha como jornalista pode ser pai, defensora da imprensa livre, ter opiniões políticas e fazer um monte de coisa da vida. Essa questão de eu ser ou não jornalista, acho meio chata, não tem como resolver esse debate com precisão.

O que posso falar é que tenho um escritório com muitos prêmios jornalísticos dados por outros jornalistas do mundo todo. Eu ganhei quase todos os prêmios jornalísticos que o mundo democrático tem para dar, inclusive aqui no Brasil, com o Prêmio Esso de Reportagem. Também trabalhei, nos últimos doze anos, em jornais e veículos bem conhecidos, como The Guardian, por exemplo, um dos mais importantes do mundo, como jornalista. Trabalhei como jornalista, sou pago como jornalista, sou conhecido publicamente como jornalista. Publiquei cinco livros sobre jornalismo e política, sendo que quatro deles aparecem na lista dos mais vendidos no New York Times.

Não entendo como alguém pode falar que não sou jornalista, mas tudo bem, acho que estamos fazendo jornalismo, obviamente. Estamos lançando transparência sobre os poderosos e informando o público sobre coisas que ele tem o direito de saber.  Jornalista, militante, político, pode me chamar do que quiser, mas o mais importante é o fato de que estamos fazendo jornalismo.

Por que causas você milita?

Minha principal causa – tanto como jornalista quanto como cidadão – é a defesa da democracia, para garantir que os direitos garantidos pela Constituição brasileira, incluindo uma imprensa livre, continuem a ser defendidos. Também estou seriamente preocupado com os direitos humanos

Minha principal causa – tanto como jornalista quanto como cidadão – é a defesa da democracia, para garantir que os direitos garantidos pela Constituição brasileira, incluindo uma imprensa livre, continuem a ser defendidos. Também estou seriamente preocupado com os direitos humanos – o direito, por exemplo, de pessoas pobres em favelas não serem alvo de disparos indiscriminados. Eu acho que todos esses direitos estão ameaçados pelo atual governo.

Qual sua análise sobre o governo atual?

Esse governo é liderado por um homem que diz publicamente acreditar na ditadura, que não acredita numa imprensa livre, que está ameaçando, e ontem fez de novo, mandar seus adversários políticos para fora do país. Ele disse várias vezes antes da sua eleição que esses políticos (contrários a ele) deveriam ser presos, mandados para fora do país. É, obviamente, um autoritário. Isso não é minha opinião, é o próprio Bolsonaro quem traz, com muita sinceridade. Por conta disso, considero ele uma ameaça grave à democracia e à imprensa livre. Também acho que as instituições brasileiras estão resistindo à sua tentativa de suprimir direitos, e agora se estabelece o debate se o Brasil continuará um país democrático, ou se virará ao autoritarismo. Acho que o trabalho que estamos fazendo é parte importante nessa questão. Minha opinião sobre o Bolsonaro e seu governo, e eu já disse isso explicitamente várias vezes, não tem nada a ver com o jornalismo que estou fazendo.

Quanto a Sérgio Moro, você acha que o problema foi de ele ter acreditado na própria mágica com apoio da mídia?

Eu acho que o problema é exatamente esse, porque, é interessante, estão me acusando de tentar destruir a Lava Jato, proteger corruptos, mas na realidade, em 2017, eu fiz um discurso em uma palestra no Canadá na qual Deltan estava presente. Nesta palestra defendi e elogiei o trabalho da Lava Jato. O que mudou minha opinião foi a ida de Moro ao governo de Bolsonaro, assim como muitos procuradores do Ministério Público, que estavam do lado de Moro, mudaram de opinião.

Depois vieram os vazamentos. Isso, na realidade, me surpreendeu muito, porque eu não era um dos que diziam que Moro era um criminoso, ou que ele era motivado por fins políticos. Eu tinha críticas à Lava Jato, mas não era um crítico muito duro a Moro e à operação, e essa evidência mudou tudo. Acredito que ele começou com intenções boas, mas como acontece com qualquer pessoa que queira muito poder, sem transparência, sem ser questionado ou investigado jornalisticamente, ele passou a se sentir um herói, um homem nobre, e que qualquer coisa que fizesse parecesse justificável. Foi exatamente isso que comprometeu ele e a Lava Jato.

Com relação aos arquivos, o que veio a público digamos foi a parte mais noticiosa. Você se surpreendeu positivamente com Moro e os procuradores em algum trecho dos diálogos que não foi divulgado? 

Como alguém que defendeu anteriormente Moro e Lava Jato no passado, fiquei surpreso com a medida em que Sergio Moro violava de forma contínua e irresponsável o papel do juiz e constantemente colaborava com os procuradores. Das histórias que publicamos até agora, acho que essa mentalidade de Moro é o que mais chocou as pessoas, e foi surpreendente para mim também.

Hoje, o que você acha da Lava Jato?

Eu acho que a Lava Jato fez coisas muito importantes para o país e deve continuar fazendo. E acredito ainda que nosso trabalho vai fortalecer a Lava Jato e o combate contra a corrupção. Não se combate a corrupção com pessoas e métodos corruptos, é impossível. Se você quer prender o ex-presidente da República ou qualquer outra pessoa, tem que obedecer os códigos de ética e os poderes, que garantem que o sistema da Justiça seja, de fato, justo. E eles não fizeram isso.

Quem prejudicou a Lava Jato foram o próprio Sérgio Moro e os procuradores, mas acredito que o trabalho da operação tem que continuar.

Quem prejudicou a Lava Jato foram o próprio Sérgio Moro e os procuradores, mas acredito que o trabalho da operação tem que continuar.

A autenticidade do material foi muito questionada. Como lidaram com isso?

Olha, foi parecido com o que aconteceu com os Panama Papers, os acervos do WikiLeaks,ou  do Snowden. Como jornalista, nunca se pode ter 100% de certeza da autenticidade e também não se pode provar o negativo. Não posso provar que não tenha uma palavra adulterada pelo hacker, mas fizemos muitas coisas para provar a autenticidade das mensagens, conversamos com especialistas em tecnologia de Nova Iorque, inclusive, e todos os indícios apontam que o material é autêntico. Obviamente, não publicamos nada quando temos dúvidas concretas quanto à autenticidade. Agora, nem Sérgio Moro, nem Deltan Dallagnol, ou qualquer outro procurador citado nas matérias, alegaram ou acusaram o material de estar adulterado ou forjado. Estão sempre insinuando que essa possibilidade existe, mas ninguém está afirmando categoricamente que alguma mensagem tenha sido adulterada. No começo isso era mais forte, mas agora, passados quase três meses desde que começamos, tudo indica, ainda mais, que o conteúdo é verdadeiro. Nada está surgindo que prove a falsidade das mensagens.

Se um vazamento como esse tivesse acontecido nos Estados Unidos, você estaria agindo da mesma forma?

Sim, eu fiz um trabalho muito parecido no caso Snowden, mas ali era muito mais sensível, pois  não estava publicando conversas entre políticos, juízes e procuradores, mas documentos sobre segurança nacional, uma publicação mais perigosa e ameaçadora a nós, jornalistas. Porque, no caso do Snowden, se publicássemos algo que não pudesse ser divulgado, alguém poderia ser morto. Foi um trabalho muito mais difícil, por publicarmos documentos da agência mais secreta do país mais poderoso do mundo, sobre espionagem, abuso de poder, e ninguém foi processado entre os jornalistas, só a fonte. Em Porto Rico também há vazamentos de mensagens do Telegram, que inclusive fizeram o governador renunciar, e ninguém está processando ou prendendo os jornalistas.

Ninguém, absolutamente ninguém, diz que os jornalistas têm de ser presos, então há muitos exemplos no mundo democrático sem que haja ameaças

A mesma coisa aconteceu no mês passado, quando o Washington Post recebeu informações através de um hacker sobre as políticas de imigração do governo Trump e publicou. Ninguém, absolutamente ninguém, diz que os jornalistas têm de ser presos, então há muitos exemplos no mundo democrático sem que haja ameaças.

Você checou sua fonte? Você se recusa a identificá-la, mas, hipoteticamente, no caso de sua fonte ser um estelionatário, isso é um problema para você ou não?

Acho que quando se é jornalista, é preciso ponderar alguns aspectos importantes.

O conteúdo, ao que tudo indica, é autêntico e de interesse público. Quem é a fonte ou a motivação da fonte não tem relevância

O conteúdo, ao que tudo indica, é autêntico e de interesse público. Quem é a fonte ou a motivação da fonte não tem relevância, e acho que um exemplo interessante é de 2016, quando o New York Times recebeu documentos sobre os impostos do Trump, e até agora os repórteres não sabem quem enviou esse material, recebido por correio, ou o que motivou esse vazamento. Quando questionado, o repórter disse justamente que não importa saber quem é a fonte, a única questão é verificar autenticidade do documento e ponderar o interesse da população sobre ele.  Diante disso, o jornalista tem o dever, a obrigação, de reportar.

O problema então só se configuraria se o jornalista participasse do grampo, da obtenção ilegal do conteúdo.

Se um jornalista participa do processo de obtenção desse conteúdo, pagando um hacker, orientando o hacker,  é um crime, isso é claro. Mas, obviamente, eu não fiz isso, ninguém do The Intercept fez, a primeira vez que conversamos com a fonte, ela já tinha os documentos todos e queria apenas nos passar.

Poderia falar algo sobre o pessoal de Araraquara que foi preso? Qual seu feeling?

Não vou comentar de forma alguma sobre nossa fonte, incluindo qualquer um que seja acusado (mas ainda não comprovado) como ser nossa fonte.

Por fim, acha que existe possibilidade de ser preso, como o presidente falou? Tem medo disso?

Desde o início da reportagem, Sérgio Moro tem usado propositalmente linguagem destinada a criminalizar nosso jornalismo (sempre se referindo a nós como “aliados do hacker”, mas nunca como “jornalistas”). O presidente Bolsonaro, em três dias consecutivos, disse pública e explicitamente que ele acha que cometi crimes e deveria ser preso.

Obviamente, quando tanto o Presidente quanto o Ministro da Justiça acusam você e seus colegas de crimes, a ameaça é real. Ao mesmo tempo, saí do Brasil há duas semanas – junto com meu marido e meus filhos -, para visitar minha família nos Estados Unidos. E voltei pra cá, embora eu não precisasse – eu poderia ter ficado nos EUA e feito a reportagem lá, livre de ameaças. Voltei porque confio que o Judiciário brasileiro irá impor e proteger as garantias de liberdade de imprensa na Constituição.

Mudando um pouco de assunto, acabei de assistir Privacidade Hackeada, na Netflix. E ontem mesmo li um artigo do New York Times sobre polarização e YouTube, https://www.nytimes.com/2019/08/11/world/americas/youtube-brazil.html. No fim das contas, você acha que o Vale do Silício, com empresas como Google, Facebook, YouTube, Whatsapp, é amigo ou vilão da democracia? Ou os dois?

Com certeza é amigo. Eu sou contra qualquer tentativa de controlar ou censurar o comportamento dessas empresas, porque acho o perigo é muito grande quando um governo começa a controlar e  mandar em instituições como essas. Por outro lado, há um problema grande desses sites promovendo mentiras e desinformação, o que é veneno para a democracia. Mas o problema maior é coletarem um monte de informações de todos nós, e as utilizarem sem limites.

O que você acha que tem de ser feito quanto a isso?

Eu acho que essas empresas (do Vale do Silício) têm de ser controladas, mas não censuradas

Eu acho que essas empresas têm de ser controladas, mas não censuradas. Por exemplo, nos Estados Unidos há empresas que foram divididas, por terem poderes demais. Isso estimula a competição, a concorrência entre as empresas desse ramo. O poder que essas empresas têm vai muito além do que a democracia pode suportar. Acho que esse poderio seria atenuado em caso de divisão dessas grandes empresas.

Agradecimentos: Victoria Damasceno e Gabriel de Campos

 

https://brasil.estadao.com.br/blogs/inconsciente-coletivo/glenn-greenwald-nosso-trabalho-vai-fortalecer-a-lava-jato-e-o-combate-contra-a-corrupcao/

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