“Desisto, a civilização não é para o Brasil”

Desisto, a civilização não é para o Brasil

O governo fracassou, mas houve falência múltipla de órgãos

Que Michel Temer é despreparado para presidir a República não chega a ser propriamente uma novidade. Se não fosse um político medíocre, teria sido lembrado (pelo menos lembrado) para ser o candidato de algum partido ao governo do seu Estado (não foi lembrado nem para ser candidato a prefeito de sua cidade).
Manifestantes fazem protesto em apoio à greve dos caminhoneiros na Esplanada dos Ministérios nesta segunda (28)
Manifestantes fazem protesto em apoio à greve dos caminhoneiros na Esplanada dos Ministérios nesta segunda (28) – Pedro Ladeira – 28.mai.18/Folhapress

Ainda assim, choca o colossal fracasso dele e do conjunto do governo para lidar com o locaute das transportadoras, travestido de greve de caminhoneiros. Se você tem dúvida, leia a Folha deste domingo (27) que, já na primeira página, informa que transportadoras (e não autônomos) controlam 60% dos fretes do país (70% no caso de transporte de longa distância).

Nesse item específico, o despreparo não é do presidente. Guilherme Boulos, o pré-candidato presidencial do PSOL, achou que a greve/locaute era iniciativa de um suposto MCSC (Movimento dos Caminhoneiros sem Caminhão), filial do feudozinho que ele controla, o MTST.

Tampouco é surpreendente, se se levar em conta a idiotia que domina parte significativa da esquerda desde que caiu o Muro de Berlim.

Mas, sejamos justos, o fracasso é de toda a superestrutura institucional do país. Do governo federal, já falei, mas ainda vale lembrar a patética entrevista do ministro Moreira Franco à Folha. Como se sabe, entidades de caminhoneiros, desde o ano passado, estavam advertindo o governo dos problemas que enfrentavam e anunciando mobilização.

Moreira Franco, no entanto, alegou que não dá tempo para ler toda a correspondência que chega ao palácio. OK. Pena que dê tempo, sim, para receber, no escurinho do cinema, um empresário como Joesley Batista para uma conversa nada republicana.

Enfim, cada um dá o que tem no governo, certo?

Se o governo tivesse muito a dar, já na semana passada as autoridades teriam jogado todo o peso das instituições policiais e militares para desobstruir as estradas e, assim, para garantir o abastecimento. Em qualquer país um pouquinho organizado, há um limite para dialogar com movimentos grevistas. Encerrada a negociação —como o governo disse, uma e outra vez, que ocorrera—, parte-se para defender as necessidades do conjunto da população e para restabelecer o direito constitucional de ir e vir, que vale para todos e não pode ser condicionado por quem quer que seja.

Essa iniciativa tornou-se ainda mais gritante depois que se soube que caminhoneiros estavam sendo ameaçados (até com armas, em alguns casos) para que não voltassem ao trabalho (vide o blog do MAG). É crime. Criminosos não podem ser tratados como coitadinhos.

Já basta que haja pontos das cidades em que a polícia não entra porque estão sob domínio de bandos criminosos armados. Já basta que os presídios sejam território livre para facções criminosas. Permitir que também as estradas (e os postos de gasolina) sejam dominados por gangues é passar de todos os limites.

Claro que a culpa principal é do governo central, mas não dá para inocentar o resto do mundo político, que se escondeu da crise. Cadê o Congresso Nacional, como instituição? Cadê cada congressista, deputado federal, senador, deputado estadual, vereador, prefeitos, governadores?

Quem tomou alguma iniciativa para tentar ao menos interferir no processo? Ressalvo apenas o governador Márcio França, de São Paulo, que se mexeu —independentemente de ter sido ou não bem sucedido.

É possível que outros governadores tenham tomado alguma iniciativa, mas não devem ter sido tão relevantes porque não chegaram à mídia, ao contrário do que ocorreu com França.

O que fizeram sindicatos, patronais ou de trabalhadores? Ou as outras instituições da sociedade civil? Faltou combustível para todos e todas?

Vamos ser honestos, o fracasso é de um coletivo chamado Brasil. Fracasso tão formidável que há quem defenda intervenção militar. Já houve (mais de uma aliás), a mais recente durou 21 anos. Não resolveu nenhuma das falências do país, além de ter cometido crimes em série (quem não pode sair de casa por falta de combustível, aproveite para ler os livros de Elio Gaspari, o mais completo e brilhante raio-X da anarquia militar, essa que os anarquistas de araque de agora querem reintroduzir).

Desisto. Jamais chegaremos à civilização, pelo menos no que me resta de vida.

Clóvis Rossi

É repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha. É vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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